Ilustrações: diulgação
Bustos admitiu, porém, que “há substâncias que desaparecem com rapidez, isso é possível", ao comentar a tese do assassinato de Neruda por envenenamento, defendida insistentemente por Manuel Araya, ex-chofer do poeta, tese que em 2011 motivou o juiz Mario Carroza à abertura do processo de investigação e, em abril do ano em curso, à exumação dos despojos do poeta em Isla Negra, litoral central do Chile.
O diretor do IML – ele mesmo um ex-militante do MIR, preso e barbamente torturado pelos sicários da DINA – detalhou os exames realizados em amostras ósseas de Neruda, assinalando que várias regiões de seu corpo apresentavam lesões metastáticas, que permitiam confirmar, “através de diversas técnicas complementares entre si”, uma correspondência com a doença.
O Judiciário chileno não poupou recursos, contratando perícias de doze legistas, alguns internacionalmente respeitados, como o espanhol Francisco Etxeberría – autor do relatório que confirmou o assassínio do poeta Federico García Lorca, mas que abriu polêmica, afirmando que o presidente Salvador Allende se suicidou - e a toxicóloga norte-americana, Ruth Winecke, da Universidade da Carolina do Norte.
Trabalhando separadamente, as universidades do Chile, da Carolina do Norte e Múrcia confirmaram em suas análises a ocorrência de resíduos de produtos farmacéuticos para tratamento de enfermidades cancerosas, específicamente do câncer de próstata, empregados à época, mas que “não foram encontrados agentes químicos relevantes que poderiam ser relacionados ao desenlace da morte do poeta”. Ou dito de forma mais elíptica, conforme Bustos, “não se encontrou evidência forense alguma que permita estabelecer uma etimología médico-legal por causas não naturais na morte do senhor Pablo Neruda".
Incongruências
O
mais forte motivo do magistrado Mario Carroza ao determinar a
exumação dos depojos de Neruda, foi a necessidade de realizar
análises toxicológicas, depois que testemunhas e documentos da
época – a denúncia do chofer Manuel Araya de uma suposta injeção
letal, mas também a notícia de El Mercurio, de 24/9/1973,
informando que o poeta falecera por parada cardíaca após aplicação
de uma injeção – desmentiram o primeiro laudo oficial da Clínica
Santa Maria, segundo o qual Neruda fora vitimado por “caquexia
degenerativa como efeito de câncer de próstata” pesando pouco mais
de 40 Kg.
Carroza,
que não é adepto de teorias da conspiração, aventou todas as
possibilidades, começando pela mais inofensiva, como a aplicação
de uma injeção com analgésico ou calmantes, pois Neruda sofria
também de gota e estava emocionalmente impactado com os efeitos do
golpe militar de 11 de setembro de 1973.
Contudo,
o que não se entende são dois aspectos: primeiro, por que Carroza
não determinou como primeira medida a realização de testes de DNA,
para dissipar dúvidas agora semeadas pelo advogado Eduardo
Contreras, do Partido Comunista, quanto à autenticidade dos despojos
de Neruda. Com certa razão, Contreras alerta para as operações de
ocultação e desaparecimento de cadáveres de vítimas da repressão
do Terrorismo de Estado. Em segundo lugar, somente em julho, três
meses após a exumação, realizada em abril de 2013, Carroza
determinou o envio das amostras ósseas ao exterior.
Por outro lado, Bustos admite o que a maioria dos observadores comentava desde a exumação de Neruda: caso o poeta de fato tenha sofrido um atentado químico, “há substâncias que desaparecem com rapidez - isso é possível".
Intrigante volta atrás
Por um lado esperado, porque em relatório ao juiz Carroza, de 8 de março de 2012, o tanatólogo Germán Tapia Coppa, do SML, afirmara taxativamente que Neruda fora vitimado pelo câncer, dispensando qualquer exumação, por outro, o laudo forense unificado de 8 de novembro de 2013 representa uma regressão à estaca zero das investigações.
Mistério insondável, parece reinar senão uma guerra, pelo menos uma disputa clandestina no seio da comunidade forense, marcada pela contra-informação.
No dia 23 de setembro passado, data do 40º aniversário da morte de Neruda, a respeitada rede Rádio Biobío mandou ao ar a seguinte notícia: “Peritajes de restos de Neruda descartan que haya fallecido producto del cáncer que lo afectaba”. Sem detalhar e citar sua fonte, a matéria continuava: “En cambio, habría sido un paro cardio-respiratorio la causa de su fallecimiento”. O comunicado finalizava: “Durante el 40° aniversario de su fallecimiento, nuevas luces sobre la verdad de su muerte salen a la superficie (o grifo é meu). Según consignó Radio Bío Bío, los expertos a cargo de las pericias y exámenes de los restos del poeta descartaron que haya sido el cáncer el que gatilló su deceso...”. No mesmo dia, a notícia foi reverberada pela esforçada CNN Chile – e ficou por isso.
A rigor, sobre a morte de Neruda há três diagnósticos diferentes e excludentes, todos eles emitidos no dia 24 de setembro de 1973.
Já citado, o atestado de óbito assinado pelo Dr. Roberto Vargas Salazar, médico que acompanhava o câncer de Neruda, aponta uma "caquexia cancerosa" que deixara o poeta reduzido a "40 Kg de peso". Não é o que ilustram as fotos de Evandro Teixeira, clicadas no dia 24 de setembro na morgue da Clínica Santa Maria, que tive a oportunidade de resgatar na reportagem “Crônica de um assassinato presumido”, publicada na edição de nº 70 da revista Brasileiros. Apesar de clicadas de perfil, confirmaram as lembranças de Manuel Araya: Neruda pesava pelo menos 100 kilos, sempre insistiu o ex-chofer.
Curiosamente, no mesmo dia em que Vargas Salazar protocolava como causa mortis o diagnóstico da caquexia cancerosa, o jornal El Mercurio noticiava que Neruda falecera em virtude de um "paro cardíaco por inyección".
Em
5 de junho de 2013, a edição online do Clarin
chileno publicou minha redescoberta, no de Janeiro, da matéria de 24
de setembro de 1973 do enviado especial do Jornal do Brasil a
Santiago, Paulo César Araújo, acompanhado do fotógrafo Evandro
Teixeira, que reproduzia o boletim médico de certo Dr. Sergio
Drapper Juliet, segundo o qual Neruda fenecera “vítima de infecção
urinária crônica e flebitis”.
Até junho de 2013, esta versão da
morte do poeta era completamente desconhecida no Chile, e alarmou o
juiz Mario Carroza.
“¿Es
la Clínica Santa María un laberinto?”, questionava o semanário
Cambio 21 em sua edição de 13/6/2013, lembrando que na mesma
clínica, em janeiro de 1982, falecera o ex-presidente Eduardo Frei
Montalva, adversário de Allende, depois inimigo de Pinochet. A
Justiça acabou provando que Frei foi assassinado com doses
homeopáticas de gás mostarda produzido em laboratórios
clandestinos da DINA. Identificados e processados, os assassinos
cumprem pena.
Reações
Antes
mesmo da divulgação do laudo do SML, os advogados Rodolfo Reyes,
sobrinho de Neruda, e Eduardo
Contreras, do PC, já vinham acenando com a continuidade do processo,
virtualmente descrentes de um resultado que confirmasse a tese do
envenenamento.
Contreras
sugere ao juiz Carroza enviar novas amostras dos despojos de Neruda
para especialistas forenses
prestigiosos como Bhushan Kapur, do
Canadá, mas também para a
Suíça,
Suécia e Áustria, países considerados de confiança.
Em
uma leitura diferente da do IML, o juiz Mario Carroza foi enfático
ao advertir que “judicialmente ainda não se pode afirmar se o
poeta foi assassinado ou não”. Concordando com os queixosos,
garantiu que "se for necessário, serão realizadas novas
perícias, sem prejuízo de prazo, porque o processo aberto sobre a
morte de Pablo
Neruda não se encerrará".
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