Ensaio
Querida Nina,
acabo de republicar uma breve crônica sobre aquela tarde de domingo na casa de vocês, em Stuttgart, poucos dias após o fatídico acidente em Chernobyl. Soa inacreditável, mas depois desse tempo todo, as sensações descritas na crônica estão presentes como se houvessem ocorrido ontem. Você era uma colegial, mas recordo que já era uma garota muito bonita e, como filha única da Heyde e do Willy, muito paparicada (não negue!)
Não tenho certeza se você conseguirá ler essas mal escritas em português, salvo que seu pai, que em seus últimos anos de vida mais incursionava pela indomada Amazônia do que pelos bem-criados bosques de Stuttgart, lhe tenha ensinado algumas noções do meu idioma. Movido por essa incerteza, vou tentar lhe fazer chegar uma versão para o alemão dentro de algumas semanas. Até lá, tenha paciência, eu quase ia dizendo, como se você não tivesse outra coisa a fazer.
Você deve estar pensando que é de mau augúrio começar essa carta com a referência àquele nefando acidente nuclear. Com o que você tem quase toda razão. Mas foi a última vez que vi você em carne e osso, entende? Porque depois nos perdemos de vista. Obviamente, para você eu fui sempre o viajante que chegava de um país exótico e que discutia os desígnios do planeta, com seu pai. É verdade – nossas conversas não ficavam por menos, não eram modestas.
Porém, com sua mãe, que conheci através da Katrin, eu também tive algumas conversas das quais muito aprendi. Se bem recordo, você estava presente num daqueles finais de tarde, quando abancados ao redor da mesa da cozinha, na casa de vocês, a Heyde disse que o Príncipe de Homburg, do Kleist, seria um papel no qual ela adoraria me dirigir. Claro que você conhece a estória, uma novela de capa e espada: na Batalha de Fehrbellin, em 1675, o príncipe, sem consultar seus superiores, ataca as linhas inimigas e vence a batalha. Acusado de insubordinação, na corte marcial ameaçam-no com o paredão: fuzilamento sumário. Naquela peça, Kleist discutia o dogmatismo e a cegueira castrense diante da espontaneidade e criatividade, humanas, incapazes de vislumbrarem exceções e honrarem a quebra de disciplina realizada com propósito nobre e ainda por cima exitosa.
Mas cá entre nós: vinte e cinco anos depois, confesso que jamais entendi a indicação daquele papel por sua mãe. Prussiana, ou – para usar uma palavra que os leitores daqui entendem sem pestanejar - “Caxias” que ela era (ou ainda é?), talvez a Heyde cogitasse que eu deveria logo me submeter ao aprendizado de um teatro de gente grande - clássico, solene, essas coisas. Acho que ela estava coberta de razão: antes de me meter no palco num papel do Heiner Müller era preciso ir para a escola; Stanislavsky, Lee Strasberg, assim por diante. Porém, que tal se naquele convite ela estivesse articulando uma metáfora, melhor dizendo: uma indireta? Bem, fico até sem jeito, porque você pode não ter percebido, mas ocorre que numa visita anterior, quando fui hóspede de vocês, eu passei uma ou duas noites “fora de casa”. Quero dizer, na casa da Katrin. Ausência que a Heyde poderia ter entendido como “quebra de disciplina”. Pespicaz, né? Mas vá entender aquele papel!
O que estou tentando dizer é que deveria ter levado a sério o convite de sua mãe e, depois daqueles primeiros anos após o fim da ditadura, aqui, retornado de malas e cuias para a Alemanha. Estou falando do meu namoro com a profissão de ator. E se arrependimento doesse, Nina, eu juraria que estou sangrando até hoje! Todavia, naqueles dias eu estava me tornando pai e era meu dever retornar ao Rio. Algumas vezes matutei se não retornei a Stuttgart por covardia. Talvez, sim, mas só em parte. Hoje tenho certeza que o que me prendeu aqui foram minhas infelizes ilusões em relação ao Brasil.
Mas espere – o que eu queria dizer mesmo, e venho adiando isso há mais de dois anos, é que fiquei muito contente com aquela foto na qual você segura na mão o Urso de Prata, o grande prêmio do Festival Internacional de Cinema de Berlim! Cheguei a mostrá-la a alguns amigos. Olhem - essa garota eu conheço desde pequena!
Nossa - como senti orgulho!
Entretanto, sabe por que mais eu quis escrever essa carta? Porque você foi muito corajosa ao aceitar e desempenhar o papel da “Anônima”. A propósito, esqueci de lhe contar que entre um modesto filme e outro, quando transcorrem dois, três, ou quatro anos na busca de financiamento, tenho me desempenhado como tradutor. Talvez você tenha lido “Jeder stirbt für sich allein”, de Hans Fallada. Sua mãe com certeza o leu. Narra a luta solitária de um operário berlinense e sua esposa contra a ditadura hitlerista. Durante dois anos eles distribuem cartões de protesto nas soleiras das portas de consultórios médicos e escritórios de advocacia, em Berlim Mitte, até serem identificados pela Gestapo e decapitados em 1942, na prisão de Plötzensee. Pois bem, minha versão para o português, “Sós, em Berlim”, está prestes a ser lançada aqui no Brasil, pela Editora Record.
O que meu trabalho tem a ver com o seu? Pois veja! Por um acaso desses da vida, quando vi sua foto na Internet, eu tinha acabado de ler o livro da “Anônima”. Numa péssima tradução, diga-se, com erros bestificantes, expressão de desmedida preguiça e dos mistifórios do tradutor. Como dizia o Pentateuco da Bíblia Medieval Portuguesa, “[...] e entom destruiu nostro Senhor a torre, e departiu a cada hum sua voz propria, porém foi chamado aquel logar Babilonia, que quer dezer confondimento”. Foi o que senti ao ler a versão em português do texto adaptado para o filme do qual você é protagonista. Aliás, Kurt Marek, que celebrizado como C.W.Ceram foi publisher da versão americana do livro, sempre soube quem era sua autora, mas Marta Hillers conseguiu preservar seu anonimato até a morte. Por acaso ocorrida nestes últimos anos.
Outro motivo para a presente é que, quando vi sua foto rodando o mundo, eu tinha acabado de assinar o contrato sobre um romance. Seu protagonista é um combatente alemão que é preso após a queda da “fortaleza de Breslau”, e levado para um campo de prisioneiros de guerra em Tula, nas profundezas da União Soviética. De onde consegue escapar e depois emigrar para o Brasil. Jamais imaginei que esse tema me atraísse, porém, como teria dito Leon Trótski, "você pode não estar interessado em guerra, mas a guerra está interessada em você!”. Adágio que tem tudo a ver com a “Anônima”, que, do ponto de vista feminino, relata os últimos dias daquela carnificina e o horror dos primeiros dias da “libertação”.
Quando assinei o contrato para escrever o romance, eu tinha a estória do sujeito, mas me faltava a moldura. Então comecei a pesquisar. Ao cabo de uns quatro meses acabei acumulando 5,0 GB de material arquivo, o que, por baixo, deve significar algo em torno de uns seiscentos livros com trezentas páginas cada. Certo dia, deparei-me com a história das caravanas que em fevereiro de 1945 fugiam da Prússia Oriental e passavam por Breslau. Eram 1,5 milhões de mulheres, crianças e velhos correndo à frente dos tanques soviéticos.
Os exércitos de Hitler tinham derramado muito sangue, empreendido uma campanha de extermínio nas nações eslavas. Quando em 1943 a relação de forças inverteu-se a favor da União Soviética, temia-se uma terrível revanche. Por isso, em sua ordem do dia № 55, Stálin havia dito: “Às vezes circulam boatos de que o Exército Vermelho tenha por objetivo exterminar o povo alemão... Seria ridículo confundir o Povo alemão, o Estado alemão, com a corja de Hitler. A História ensina que os Hitlers da vida vêm e voltam, mas o Povo alemão, o Estado alemão, são permanentes”. As tropas de Stálin, contudo, tinham um entendimento assaz diferente da mensagem conciliadora do chefe de governo. Jornalistas, poetas e escritores alistados no Exército Vermelho trataram de jogar lenha na fogueira durante o avanço de suas colunas. ”Os alemães não são seres humanos... Para nós não existe nada mais divertido do que cadáveres alemães”, vociferou Ilya Ehrenburg.
“Com três semanas de guerra em território alemão, nós sabíamos: fossem alemãs as garotas, e qualquer um de nós tinha o direito a violá-las, em seguida executá-las. Atos que por pouco eram entendidos como ações de combate...”, escreveu um jovem capitão da tropa chamado Alexander Solchenizyn. Esse mesmo, de “O arquipélago Gulag”. Em seu poema, “Noturnos da Prússia Oriental”, lê-se em livre tradução, minha:
“Vinte e dois da Höringstrasse.
Nenhum incêndio ainda, mas rudemente pilhado.
Através da parede – um gemido sufocado:
Com vida encontro apenas a mãe.
Foram muitos sobre o colchão? Um destacamento, um pelotão?
Que diferença faz! A filha – criança ainda, morta no ato.
Tudo com a facilidade do jargão:
NADA ESQUECER!
NADA PERDOAR! SANGUE POR SANGUE!
E dente por dente.
Quem donzela ainda, mulher será feita,
e o mulherio – cadáveres em breve.
Toda embotada já, olhos sangrando, implora:
´Mate-me, soldado!´...”.
Desde tenra infância eu me lembrava ter ouvido burburinhos sobre as selvagerias cometidas contra as mulheres, mas não as conhecia em detalhe. E preciso te dizer que me senti enojado à medida que a leitura dos testemunhos avançava. Eu gostaria muito de ver logo seu filme para entender como o roteirista, o diretor e você resolveram os desafios colocados pelo material. Numa reprodução de sua introdução a “Anônima”, publicada em 01/05/2002, no Guardian, Anthony Beevor cita os depoimentos de duas mulheres russas sobre as violações em massa. A primeira, uma garota de 21 anos, do batalhão de reconhecimento de Agranenko, desconversou: “O comportamento de nossos soldados em relação aos alemães, particularmente as mulheres alemãs, é absolutamente correto!”. Já Natalya Gesse, amiga íntima do cientista Andrei Sakharov, e correspondente de guerra durante a campanha soviética, disse coisa completamente diferente: “Os soldados russos estavam violando qualquer mulher alemã, dos oito aos oitenta [...] Foi um exército de violadores”, ela fulminou.
Bebidas de qualquer natureza, inclusive soluções químicas perigosas, desviadas de laboratórios e oficinas, segundo Beevor foram fator agravante da violência hedionda. “Parece que os soldados soviéticos necessitavam de coragem para atacar mulheres”, adverte, ajuntando: “Mas então, muito frequentemente, bebiam demais e, incapazes de completar o ato, usavam a garrafa com efeito arrepiante. Muitas vítimas foram mutiladas obscenamente”.
Crimes mais bestiais e abjetos, porque perpetrados contra cerca de quinhentas moças conscritas na Frente do Trabalho, durante os dias 16, 17 e 18 de fevereiro de 1945, no campo de Vilmsee, foi o que testemunhou a brasileira, Leonora Cavoa, nascida em 22 de outubro de 1925, em São Paulo, cujo sobrenome de casada mudara para Geier. Leonora, que dizem estar viva e quem estou tentando localizar, foi obrigada a testemunhar cenas para as quais durante muitos dias procurou palavras. Leia: “The Commissar told me to watch and learn how to turn the Master Race into whimpering bits of misery. Now two Poles came in, dressed only in trousers, and the girls cried out at their sight. They quickly grabbed the first of the girls, and bent her backwards over the edge of the table until her joints cracked. I was close to passing out as one of them took his knife and, before the very eyes of the other girls, cut off her right breast. He paused for a moment, then cut off the other side” […]
Ainda segundo Beevor, estimativas do número de violações praticadas contra mulheres que deram entrada nos dois principais hospitais de Berlim, em meados de 1945, vão de 95 mil a 130 mil. Um médico citado deduziu que das 100 mil mulheres, “em média”, brutalmente violadas e desfiguradas, cerca de 10 mil morreram em consequência do choque e das mutilações. Ou suicidaram-se.
Muitas pessoas voltam a perguntar-se se não dá para comparar o genocídio das Einsatzgruppen de Heinrich Himmler, como a fuzilaria em Babi Yar (34 mil judeus executados em uma semana), com as violações em massa perpetradas pela soldadesca russa durante a ocupação do Reich em ruínas. Durante a guerra fria essa comparação de motivações era considerada moralmente ilícita. Abertos os arquivos, cá e lá, a percepção mudou. Mas na minha opinião a comparação não procede: o genocídio nazista foi um projeto premeditado, amplamente discutido pelo círculo fechado de Hitler, e praticado com cínica eficiência industrial. As violações em massa soviéticas foram a evocação da vingança. Em sua prática, às vezes até mais hediondas. E não men os cínicas. Como resposta acachapante, hoje ainda, veteranos soviéticos decrépitos fanfarroneiam sua versão descarada: “Todas elas [“as mulheres alemãs”] erguiam seus vestidos para nós e deitavam na cama [...] Dois milhões de nossos filhos foram paridos na Alemanha”.
Violação, diz a historiadora Susan Brownmiller, é o ato do conquistador que enfatiza sua vitória sobre o inimigo apropriando-se do corpo de suas mulheres. Nenhuma novidade: da campanha de Alexandre Magno à Guerra do Vietnã, mulheres de todo o mundo foram violentadas e trucidadas com requintes de crueldade estupidamente descritos como “animalescos”. Estupidamente, porque a animália conserva o instinto da dignidade, não conhece a humilhação. Ao contrário, o gênero humano.
Mas então como explicar o alerta emitido pelo comitê central da juventude soviética, Komsomol, de 29 de março de 1945, a Malenkov, braço direito de Stálin, reportando-se a um relatório do Gen. Tsygankov, do 1º. Front Ucraniano? Um entre sem número de casos, nele lia-se: “Na madrugada de 24 de fevereiro, um grupo de aspirantes a tenente em curso de instrução, liderado por seu comandante, invadiu o dormitório feminino na vila de Grutenberg, e violou todas as mulheres”. Naquelas semanas, as notícias de violações em massa começavam a minar seriamente as tentativas do regime soviético de justificar o comportamento de seus exércitos como estouro de boiada após as atrocidades cometidas pelos exércitos nazistas em solo russo. Três meses depois, na Alemanha, foi a vez do novelista Vasily Grossman de sentir-se chocado. Integrando a campanha como correspondente do jornal do Exército Vermelho, também percebeu que as violações sequer se detinham diante das mulheres nas próprias fileiras. Ou libertadas. Jovens polonesas, russas, bielorrussas e ucranianas, deportadas à Alemanha como trabalhadoras forçadas, foram violadas e curradas às milhares. “Uma garota contou-me, às lágrimas – ´ele era um homem velho, mais velho que meu pai!´”.
“Bom número de outras energias ou influências estavam a operar”, escreve Beevor. “Liberdade sexual havia sido assunto de acalorados debates nas fileiras do partido comunista durante a década de 1920, mas na década seguinte Stálin fez tudo para que a sociedade soviética se percebesse como virtualmente assexuada. Isso não tinha nada a ver com puritanismo genuíno, mas foi porque amor e sexo não se encaixavam no dogma desenhado para ´des-individualizar´ o indivíduo”. Necessidades e emoções humanas tinham imperiosamente que ser suprimidas. A obra de Freud foi banida (minha nota: à guisa de comparação, na mesma época, na Alemanha nazista a psicanálise foi combatida como “ciência judaica”). Adultério e divórcio foram objeto de rigorosa desaprovação do partido, e o homossexualismo enquadrado como crime social. A doutrina stalinista estendeu-se à completa supressão de qualquer forma de educação sexual, praticada pelos socialistas libertários antes da revolução de 1917. Com uma pitada de ironia é preciso imaginar que nas artes gráficas eram rigorosamente fiscalizados até mesmo os contornos dos seios de uma mulher vestida, tidos como perigosamente eróticos. Tinham que ser disfarçados debaixo de alguma peça de roupa. Porque o regime “tencionava claramente a conversão de qualquer forma de desejo em amor pelo partido e, acima de tudo, pelo Camarada Stálin”.
Com sua introdução, Beevor disse quase tudo. Mas não disse o mais importante, porque sua abordagem se faz do ponto de vista do macho violador, e não da mulher violada. Por isso, James W. Messerschmidt, da University of Southern Maine (“The forgotten victims of WW II: masculinities and rape in Berlin, 1945”) adverte que o insight mais dramático na abordagem da violação é que ela destrói a integridade feminina, negando à vítima a vontade própria de engajar-se ou não no ato sexual. “Ao negar-lhe essa liberdade, o violador cria condições de domínio, controle e subordinação. Em outras palavras: os motivos dos violadores do Exército Vermelho à parte, o ato de violação é em si mesmo um fenômeno de dominação, desvalorização e violência. E como observou a autora dos diários [“Anônima”], os soldados soviéticos não escolhiam as mulheres ´mais atraentes´ para vitimizar – ´para eles, qualquer mulher o faria´. E de fato, os violadores do Exército Vermelho vitimizaram até mesmo mulheres judias que exitosamente tinham evitado sua captura pelos nazistas [...]”.
No episódio referido por Messerschmidt, enquanto a mulher, que gritava “mas eu sou judia, eu sou judia!”, era estuprada por uma fila de soviéticos, seu marido, que tentara defendê-la, definhava numa poça de sangue. Baleado. Vocês filmaram essa cena?
Bem, querida Nina, a modesta epístola imaginada acaba de virar novela, e a releitura da história sempre teve o poder de revirar estômagos, tal seu asco. Assinados os acordos de paz, os governantes que sucedem as carnagens, abraçam-se, derramam algumas lágrimas fotogênicas para as câmeras e anunciam uma nova era da reconciliação. E seus povos que se danem. Porque ficam abandonados às suas lembranças, de parte a parte remoendo pesadelos e ressentimentos.
Que você tenha tido a coragem de mergulhar nesse túnel fantasmal do tempo, vestindo a camisa da “Anônima”, é um ato de coragem que merece um prêmio aquém ou além das telas.
Cá com meus botões fiquei pensando em te fazer um convite. Um papel bonito num dos meus projetos em gestação. Você ouviu falar de uma mulher chamada Pola Bauer-Adamara? Na mesma época, dos anos 1920, em que Paul Bowles publicava “O céu que nos protege”, ela acompanhou seu marido numa expedição à Amazônia. E me assaltou a acachapante analogia com a tragédia filmada por Bertolucci porque ela cai como luva na estória de um bando de alemães. Estória que começa com bebedeiras num café, em Berlim. Ali, um tal Artur Heye, dândi e aventureiro dublê de escritor, reuniu um grupo de cineastas, dos quais se destacava o veterano da UFA, August Brückner, casado com Pola Adamara. Estavam também o câmera, Adalbert Bittner, boêmio e alcoólatra, e sua mulher, e os irmãos Eichhorn. O projeto de Heye consistia de uma série de filmes “culturais“ para a UFA, e o grupo desembarcou em Belém do Pará, a cidade cuja universidade concedeu o título de Dr. Honoris Causa a seu pai – lembra? Mas a UFA não disponibilizou o dinheiro todo que necessitavam, o principal foi financiado por um primo rico da esposa de Heye. E sob o calor de 40ºC começaram os problemas: com o sol na moleira, a sra. Bittner estava às bordas de um ataque de nervos. Artur Heye, que era hepático, era só maus bofes. O profissional Brückner estava com pressa para trabalhar, mas o primo rico retém a grana. Enquanto isso, frustrado, Adalbert Bittner afogava sua decepção na cachaça. E então ocorre a grande separação no meio da mata: o primo rico e avaro toma o primeiro avião de volta à Alemanha; Brückner, sua esposa e os Eichhorn, acompanhados do indigenista Curt Nimuendaju Unckel, rumam às cabeceiras do Amazonas, mas os Heye e os Bittner decidem permanecer em Belém. Impiedoso, o destino desata a catástrofe: Bittner definha de uma cirrose em Belém, enquanto na fronteira com o Peru, Brückner é vitimado por uma misteriosa intoxicação. Feito o barco de Holofernes, das profundezas da Amazônia, Nimuendaju conduz uma canoa em direção a Belém, para salvar a vida de Brückner. Mas não consegue. Brückner não resiste. Sepultada a segunda vítima da equipe, Pola Adamara – e esta é você! - retorna à selva com Nimuendaju e conclui o filme do marido – Urwaldsymphonie, a “sinfonia da selva”. A propósito – você tem algum primo rico?
Cá com meus botões fiquei pensando em te fazer um convite. Um papel bonito num dos meus projetos em gestação. Você ouviu falar de uma mulher chamada Pola Bauer-Adamara? Na mesma época, dos anos 1920, em que Paul Bowles publicava “O céu que nos protege”, ela acompanhou seu marido numa expedição à Amazônia. E me assaltou a acachapante analogia com a tragédia filmada por Bertolucci porque ela cai como luva na estória de um bando de alemães. Estória que começa com bebedeiras num café, em Berlim. Ali, um tal Artur Heye, dândi e aventureiro dublê de escritor, reuniu um grupo de cineastas, dos quais se destacava o veterano da UFA, August Brückner, casado com Pola Adamara. Estavam também o câmera, Adalbert Bittner, boêmio e alcoólatra, e sua mulher, e os irmãos Eichhorn. O projeto de Heye consistia de uma série de filmes “culturais“ para a UFA, e o grupo desembarcou em Belém do Pará, a cidade cuja universidade concedeu o título de Dr. Honoris Causa a seu pai – lembra? Mas a UFA não disponibilizou o dinheiro todo que necessitavam, o principal foi financiado por um primo rico da esposa de Heye. E sob o calor de 40ºC começaram os problemas: com o sol na moleira, a sra. Bittner estava às bordas de um ataque de nervos. Artur Heye, que era hepático, era só maus bofes. O profissional Brückner estava com pressa para trabalhar, mas o primo rico retém a grana. Enquanto isso, frustrado, Adalbert Bittner afogava sua decepção na cachaça. E então ocorre a grande separação no meio da mata: o primo rico e avaro toma o primeiro avião de volta à Alemanha; Brückner, sua esposa e os Eichhorn, acompanhados do indigenista Curt Nimuendaju Unckel, rumam às cabeceiras do Amazonas, mas os Heye e os Bittner decidem permanecer em Belém. Impiedoso, o destino desata a catástrofe: Bittner definha de uma cirrose em Belém, enquanto na fronteira com o Peru, Brückner é vitimado por uma misteriosa intoxicação. Feito o barco de Holofernes, das profundezas da Amazônia, Nimuendaju conduz uma canoa em direção a Belém, para salvar a vida de Brückner. Mas não consegue. Brückner não resiste. Sepultada a segunda vítima da equipe, Pola Adamara – e esta é você! - retorna à selva com Nimuendaju e conclui o filme do marido – Urwaldsymphonie, a “sinfonia da selva”. A propósito – você tem algum primo rico?
Beijos,
Frederico
Nina Hoss ao receber o Urso de Prata
do Festival Internacional de Cinema de Berlim
por seu papel protagonista em
"Anônima - Uma mulher em Berlim" (2008)
Link para o trailer do filme