18 janeiro 2011

Frederico Füllgraf - Habanera gitana



Sobre um poema de Federico García Lorca


Quero chegar a Havana quando fizer lua cheia e nos empedrados de tua Cidade Velha as ruínas projetarem silhuetas dos sonhos estilhaçados.

Quero chegar num carro de águas de esmeralda e baixar à praia, embalado por roces da guitarra de Tonino,  percutidos pelos atabaques dos negros de Lorca menino. Negros com pele de seda das primeiras luzes da manhã, e cuja cor é a soma de todas as cores.

Quero chegar a Havana quando em mim se completar o medonho ciclo, meu sangue do Andalús vertido numa coreografia rumbera, quando enfim meu corpo entranhar o ditame da alma antiga e esbanjadeira, que abandone minha crisálida para tornar-me  bicho heliotrópico atraído por tua luz.

Quando eu desembarcar em Havana com a lembrança de Málaga e Almería, a boca pronta para o beijo perfumado pelos temperos de Zanzibar, e a pele azeitada por maresia, me estende a palma de tua mão para que nela possa pousar.

Quanto mar!

Quando eu pisar nas areias de tua Havana ouvirás o pranto de Canut, o lamento do Djebel Al Tarik estreitado na garganta de Nicolás – não o Guillén da tua Ilha, mas o Reyes cigano errante entre Córdoba e Sevilla.


O coração incendiado de flamenco e álcool da videira quero enlaçar “tua cintura quente e gota de madeira!”

Áy, llevame, llevame el compás Deste tipo que me gusta cantar
Áy, llevame, llevame el compás Deste tipo que me gusta bailar...

“Harpa de troncos vivos”, útero de águas quentes, me juntarei às carpideiras da Pavana, funeral com flor de tabaco para Federico García em Havana. Uma guitarreada para o fuzilado e uma salsa encharcada de rum como brinde ao escritor, Cabreiro e exilado!

Quando me batizarem com a cachaça do teu mar de pés de cana renascerei como o espião que contava navios e tornou-se tradutor demais do Rosa na prisão. Já o outro alemão, fuzilado pelo General Benítez, era o risível espia que de menos sabia; estória antiga que desde criança você conhecia. O primeiro traduziu “Grandes Sertões” e “Sagarana”, o segundo eternizou-se como “Nosso homem em Havana”.
(o deles, naturalmente, que alcoviteirice não é com a gente!)

Quando eu chegar a Cuba, “oh, curva de suspiro e barro”,
Do barco denotarás o pranto de uma bulería.
Abraça, beija, benze-me com as águas do teu amoroso tarro.
Para começar basta-me: uma habanera é tudo o que eu queria.
Prosa sem métrica, mas bêbada de poesia.
Para ler sincronizada com a Rumba Tech dos reis da cigania.


Agora habáname!