Imagem inferior: Estátua à F. de Magalhães, Punta Arenas, Chile.
Frederico Füllgraf
Miniconto
Depois que o fidalgo Fernão, a quem em terras castelhanas chamavam Hernán, descobriu o Estreito no calcanhar do Novo Mundo que leva seu nome, aprumou sua nau e tomou o rumo das Ilhas Molucas, das quais, sempre teimosamente, quis tomar posse em nome de El Rey.
Mas os nativos não o deixaram – trituram-lhe o crânio com uma borduna. Magalhães não resistiu e nunca mais o viram em Portugal.
E sentenciou: quatrocentos e oitenta anos mais tarde, certamente, Fernão ingressara no umbral do Tempo, do Mundo das Luzes.
Na passagem por Alfa Centauri, seu escrivão genovês, Pigafetta, despencara de estibordo em plena infinitude da Criação. Cheio de dor, a Fernão não restara outra que velejar sozinho. E então registrara em seu diário uma avistagem de tirar o fôlego.
Distraído não se sabe por quê fenômeno celestial, repousara seu diário sobre o peitoril do convés, e ali o esquecera. O diário também despencou no Cosmo, serpejando em direção a um grande Buraco Negro.
Na passagem por Alfa Centauri, seu escrivão genovês, Pigafetta, despencara de estibordo em plena infinitude da Criação. Cheio de dor, a Fernão não restara outra que velejar sozinho. E então registrara em seu diário uma avistagem de tirar o fôlego.
Distraído não se sabe por quê fenômeno celestial, repousara seu diário sobre o peitoril do convés, e ali o esquecera. O diário também despencou no Cosmo, serpejando em direção a um grande Buraco Negro.
Captada por um possante radiotelescópio fincado nas escarpas do Valle del Elqui, nos Andes, a mensagem na página aberta dizia: “Este sol brilha mil, multiplicado por mil vezes mais do que nossa velha lamparina da Via Láctea. Sua luz cegou-me. Tudo são brumas”.
“Imagine-se a seguinte imagem”, escreveu ele: “Em Calicuta das Índias alguém suspende uma torrada com geleia diante de uma vela. No mesmo instante, mas em Portugal, mediríamos os restos das chamas da vela, sendo com isso capazes de determinar o tipo de marmelada que em Calicuta fora aplicada à fatia do pão!”.
Fernão não sabia que sua velha nau, com rachaduras no madeirame e velas estropiadas, tinha navegado 150 mil anos-luz.
Sempre distraído, como naquela manhã, à entrada do labirinto da Terra do Fogo, agora acabara de descobrir a indistinta constelação que lhe rendeu a homenagem de Nebulosa Magalhães.
Por fugazes instantes, foi divagação que capturou meu atrevido imaginário, enquanto flanava ao longo da costanera do Estreito, em 2016, o rosto varrido por ventos errantes no literal fim do mundo.