A
infância sempre volta na hora humana do crepúsculo...
Vem
de um tempo silenciado,
é
um eco que cresce,
um
fantasma que ronda e volta comovido,
surge
remando no barco da memória,
abre
na alma um sulco imaginário, tão formoso
e
aporta para povoar a aldeia melancólica da saudade.
Traz
consigo os seus inconfessáveis segredos,
as
tardes azuis e açucaradas,
a
dizer-nos que só se é criança uma vez na vida
e
que tudo que lá ficou é um mágico clarão,
um
enigma que arde imperecível,
um
nunca mais.
Em
cada dia houve um tempo...,
um
tempo em que o mar banhou minha inocência.
Herdei
essa extensão entre o horizonte e o branco cinturão de areia,
herdei
do mar essa salgada lembrança,
o
mar, sempre o mar, meu mágico recanto,
aquele
mar que tanto amei
e
onde o coração navegou o meu encanto.
A
praia, o território itinerante nos meus passos,
os
botos, em cada dia, nadando para o sul,
o
voo preguiçoso das gaivotas,
as
velas ligeiras ante a paz invencível da paisagem.
o
azul e a luz espelhados sobre as águas da manhã,
as
canoas trazendo suas translúcidas escamas,
o
mantra suave das ondas,
esse
rumor ainda presente no caracol dos meus ouvidos.
Eu
tinha quatro, cinco, seis e sete anos,
a
alma banhada, as retinas submersas
e
em cada gesto uma sílaba antecipada do meu canto.
Tinha
as mãos cheias de caramujos, de conchas,
e a
vigiar meus olhos, o espanto.
Tinha
meus castelos,
a
espuma espessa e flutuante
e
três castas amantes para brincar.
Tinha
os fulgores da aurora, os mistérios constelados,
uma
pequenina lagoa
e
um canal estreito por onde as tainhas entravam no inverno.
Eu
tinha de minha mãe o seu regaço: mel e ternura repartidos.
Lembro
meu avô cortando lenha, meu retrato mais antigo.
Eu
o chamava Pai Trajano.
Um
dia ele levou minha pobreza seminua pela mão,
e
lá, além da ponte, na loja do Seu Abrão,
vestiu-me
uma camisa colorida.
Não,
Drummond, não se dissipa nunca a merencória infância.
Curitiba,
26 de Janeiro de 2014.
Ilustrações: divulgação