24 março 2012

Frederico Füllgraf - "To my master, Camões"


Richard F. Burton
Ilustrações: divulgação



Enquanto servia ao império britânico, no Extremo Oriente, Sir Richard F. Burton [http://fuellgrafianas.blogspot.com.br/2011/11/burton-e-as-reinvencoes-de-nos-mesmos.html] tomou conhecimento da passagem do poeta lusitano pelos mares da China e aproximou-se de sua obra. Versão desencontrada conta que antes de abandonar o Oriente, Burton peregrinara a Goa, mas naquela vez não como agente secreto do Empire e, sim, em missão muito pessoal e humilde, para prestar sua homenagem a Luis de Camões, cuj´ Os Lusíadas, como explicou, nada menos que o tinham arrebatado. 


Sobre as trajetórias de Camões e Burton correm fartas versões, muitas delas, risível folclore. Contudo, não cabe dúvida que o escritor dublê de espião do Empire, esgrimista e falcoeiro, se espelhava no poeta caolho e homem de armas; muitas eram suas paixões partilhadas: o sabor das aventuras em terras estranhas, o desembainhar de uma arma, o frenesí da morte – esse permanente vaivém do pêndulo entre Eros e Tanatos, que costuma coçar a espinha dorsal dos guerreiros -, o canto glorificador da virilidade...

A história de Os Lusíadas começa, ao que tudo indica, quando Camões embarca na nau São Bento, da frota de Fernão Álvares Cabral, rumo ao Extremo Oriente, e chega a Goa em 1554.

Depois de participar de vários combates no Mar da China, a esquadra é chamada para enfrentar os mouros no Mar Vermelho, mas o combate não acontece, e os lusitanos aproveitam para hibernar. Quando retornam a Goa, em 1556, Camões encontra no governo Dom Francisco Barreto. Nessa época, viera a público uma sátira apócrifa que ridicularizava  a imoralidade e a corrupção reinantes entre os fidalgos, e que foi atribuída a Camões. Por acaso corrupção e imoralidade seriam enfermidades congênitas lusitanas, cujo vírus saltara das caravelas para as terras do Novo Mundo?Não é improvável que Camões se tenha feito essa pergunta – e foi preso! Obviamente, o poder é hábil tecelão de intrigas, neste caso para a prisão do poeta, acusado de caloteiro, que na verdade era má fama de D. Manoel, motivo pelo qual o credor, Fernão de Magalhães, após longa espera em vão em Portugal,  cruzara a fronteira para Espanha – coño, que no me pagan! Astuto, o rei-caloteiro promulgara as Ordenações Manuelinas, nefanda, mas pioneira manifestação de censura ibérica imposta aos dissidentes.

Camões amargou cinco anos no calabouço, do qual foi libertado por Dom Francisco Coutinho, que lhe deu proteção e novo emprego, desta vez na função de “Provedor-mor dos Defuntos e Ausentes”... - emprego ou nova punição?


Do Hades entendia Richard Francis Burton.


Após a mortífera e fracassada expedição às fontes do Nilo, no início da década de 1860, Burton, alvo de denúncias, que o acusavam pela morte de Speke, foi tirado de circulação e transferido para o Brasil, onde serviu de cônsul britânico, entre 1865 e 1869. Em contato permanente com a língua portuguesa, pelo menos com sua versão sul-americana, foi quando o assaltou a obsessão de traduzir Os Lusíadas ao Inglês - eis, pois, a introdução à maratona burtoniana, dedicada ao então Imperador D. Pedro II, editada por sua esposa após sua morte.
(F.Füllgraf)
ENGLISHED BY
RICHARD F. BURTON
OS LUSIADAS
(THE LUSIADS):
ENGLISHED
BY
RICHARD FRANCIS BURTON
(EDITED BY HIS WIFE,
ISABEL BURTON).
IN TWO VOLUMES—VOL. I.
LONDON:
BERNARD QUARITCH,
15 PICCADILLY, W.
1880
ALL RIGHTS RESERVED.
WYMAN AND SONS, PRINTERS,
GREAT QUEEN STREET, LINCOLN'S-INN-FIELDS,
LONDON, W.C.
To
H. I. M.
DOM PEDRO DE ALCANTARA,
(D. PEDRO II.)
Constitutional Emperor, and perpetual Defender
of
THE BRAZIL;
to
the Man rather than the Monarch
this Version of a Poem,
so dear to the heart of every Brazilian,
is offered
by
his Imperial Majesty's
most obedient
humble Servant,
THE TRANSLATOR.

Il far tin libro è meno che niente,
Se il libro fatto non rifa la gente.
GIUSTI
 Place, riches, favour,
Prizes of accident as oft as merit.
SHAKESPEARE
Ora toma a espada, agora a penna
(Now with the sword-hilt, then with pen in hand).
CAMÕES Sonn. 192.

Bravio assai,—poco spero,—nulla chiedo.
TASSO

 Tout cela prouve enfin que l'ouvrage est plein de grandes
beautés, puis que depuis deux cents ans il fait les delices d'une
nation spirituelle qui doit en connôitre les fautes.
VOLTAIRE Essai, etc.
TO MY MASTER
CAMOENS:
(Tu se' lo mio maestro, e' l mio autore).
Great Pilgrim-poet of the Sea and Land;
 Thou life-long sport of Fortune's ficklest will;
 Doomed to all human and inhuman ill,
Despite thy lover-heart, thy hero-hand:
Enrolled by thy pen what marv'ellous band
 Of god-like Forms thy golden pages fill;
 Love, Honour, Justice, Valour, Glory thrill
The Soul, obedient to thy strong command:
Amid the Prophets highest sits the Bard,
 At once Revealer of the Heav'en and Earth,
To Heav'en the guide, of Earth the noblest guard;
And, 'mid the Poets thine the peerless worth,
 Whose glorious song, thy Genius' sole reward,
Bids all the Ages, Camoens! bless thy birth.
R. F. B.
Camões preso em Goa - autor anônimo

19 março 2012

Frederico Füllgraf - As Malvinas no misterioso mapa de Piri Reis

Ilustrações, de cima para baixo: Piri Reis; seu Mapa Mundi;
costas das Américas; Terra do Fogo com Malvinas;
Linha de Tordesilhas.

Piri Reis, cujo nome de batismo era Hājjī Mehmet, foi um notável  almirante e cartógrafo otomano, nascido em 1465, em Galípoli, Turquia e, virtualmente, o primeiro mapeador do Arquipélago das Malvinas.
Sobrinho e discípulo de Kemal Reïs, aprendeu a navegar aos doze anos de idade. No auge do expansionismo otomano, participou de numerosas batalhas, entre elas o cerco de Veneza (1499 e 1502),  a guerra aos Cavaleiros de Rodes (“Soberana Ordem Militar e Hospitalar de São João de Jerusalém, Rodes e Malta”, mais conhecida como “Ordem de Malta”, que até os dias atuais desfruta de status diplomático), além do enfrentamento dos assim chamados mamelucos do Egito, em 1523.

Reis foi homem de fina erudição e tinha domínio sobre vários idiomas além do seu, pois falava fluentemente em árabe, grego, espanhol e português.

É muito provável que seu convívio com navegadores espanhóis e portugueses o tenha inspirado a desenhar algumas cartas náuticas e mapas “de ouvido” – todos com algumas deformações na escala Mercator, mas compensadas por espantosa beleza -, porque as esquadras otomanas jamais haviam abandonado os contornos do Mediterrâneo, em direção ao Atlântico.

A maioria destas cartografias ilustra sua obra de maior fama, o Kitab-i-Bahriye, ou “Livro das Matérias Marinhas”, editado sob forma de atlas náutico que Piri Reis dedicou ao sultão Solimão o Magnífico, em 1526, considerado perdido, mas recuperado quatrocentos anos mais tarde, em 1929, e conservado pelo Museu Topkápi de Istambul. A reprodução de seu famoso “Mapa de Piri Reis” ilustra até hoje bilhetes turcos de 10 milhões de Liras.

Integra a coletânea náutica o mapa das costas americanas, traçado em 1528, no qual Piri Reis atualizou informações de cartas náuticas portuguesas, pois ele inclui os descobrimentos feitos por Gaspar de Corte Real, e nele vê-se reproduzidas Cuba e a Flórida, erroneamente  também caracterizada como ilha.

A leste do extremo austral da América do Sul (A Terra do Fogo) cuja reprodução se reconhece “deitada”, percebe-se um conjunto de ilhas, unanimemente identificadas pelos cartógrafos da atualidade como sendo o Arquipélago das Malvinas. E a linha imaginária de Tordesilhas não deixa dúvida: pertencia à Espanha; que o legou à Argentina.