No próximo dia 2 de abril, completam-se trinta anos da Guerra das Malvinas (1982), que durou dois meses,
ceifou a vida de 650 argentinos e 255 britânicos, e culminou com a capitulação de
11.313 tropas argentinas – uma derrota humilhante para os generais-torturadores
que ocupavam a Casa Rosada, dando início ao fim da mais sangrenta ditadura dos
anos de chumbo da América Latina, que “desapareceu” com 30 mil opositores
políticos.
Desde o final de 2011, os
governos argentino e inglês esgrimem uma guerrilha de desgaste na mídia internacional, cujo
vitorioso até a véspera do 30º aniversário do conflito, sem sombra de dúvida, é
o Governo Cristina Fernández de Kirchner. Isto porque, apesar da notória
arrogância e irredutibilidade inglesas, trinta anos depois do literal salto no
escuro do ébrio Gal. Leopoldo Galtieri, com sua astúcia e ofensiva diplomática,
a Argentina de Kirchner possui as melhoras cartas: conseguiu provar a violação
de resoluções da ONU pelo Reino Unido, atestar seu desinteressse por novo
enfrentamento armado e sua aposta na mesa de negociações, somando apoios
solidários e incondicionais, não apenas dos países latino-americanos (Unasul,
Aladi e OEA), mas de todo o Atlântico Sul, ao seu papel de soberana legítima
sobre o arquipélago, herdado uti
possidetis mediante sua independência da Espanha (Províncias Unidas, 9 de
julho de 1816), em seguida invadido por piratas ingleses e norte-americanos, que em
1833 expulsaram das ilhas seus primeiros administradores platenses.
Episódio insólito presenciado em
Londres, em junho de 2011, James Peck, filho de um soldado britânico das
Malvinas, casado com uma argentina, naturalizou-se e recebeu das mãos de
Cristina Kirchner a carteina de identidade (DNI), ainda por cima declarando que
a Argentina era o país onde se sentia feliz e que as ilhas ocupadas por sua
família pertenciam a Buenos Aires!
Fazendo coro, no início de 2012, os
países do Mercosul proibiram o atracamento de barcos sob bandeira britânica das
Malvinas em portos do Continente, medida até mesmo endossada pelo governo
direitista de Sebastián Piñera, no Chile. Contudo, a cereja no bolo foi a atração para o salão
nobre da Casa Rosada de ilustres dissidentes de Hollywood (Sean Penn) e do mainstream
musical (Roger Waters, ex-Pink Floyd), fanfarroneando em uníssono, “Las
Malvinas son argentinas!”. Quer dizer: mais ou menos argentinas, porque Waters
disse “should be argentine!”, e depois tentou desdizer-se, mas já era tarde,
sua entrevista já rodava no Youtube... Viento sur! - o garoto de recados da city londrina e mais que insensato “dissidente”
da União Européia, David Cameron, não soube onde esconder sua estampa
humilhada.
No início de fevereiro, via Penguin
News, veio o “troco”: o único jornal dos kelpers
– gentilíco que deriva das algas kelp, cuja
apanha em mais de duzentos anos de ocupação e vandalismo de variadas espécies
da flora e fauna malvinense indica ser o único “valor agregado” pelos pouco mais
de três mil súditos trazidos das Ilhas Britânicas – chamou a Presidente
Kirchner de “bitch”; baixo calão, cuja versão branda significa “cadela”, mas
cuja intenção foi mesmo a de ofender a mais alta dignitária argentina como “puta”.
No início do ano, William Hague, ministro do exterior inglês, realizava afobada
visita ao Brasil e ao Chile, numa desesperada tentativa de reverter o “bloqueio
naval” do Mercosul, seduzindo com as miçangas baratas dos conquistadores nas praias dos gentíos - acordos de cooperação
científica e cultural e intensificação do sofrível comércio bilateral - e a
indisfarçável intenção de “isolar” a Argentina – mas o tiro lhe saiu pela
culatra, quem já estava isolado era o Reino Unido.
Com uma manobra risível, mas truculenta,
Cameron reforçou a carga, destacando para as Malvinas o destroyer de última
geração, HMS Dauntless ("sem medo"), poucas semanas depois, o próprio príncipe (-herdeiro) William,
como demonstração do inequívoco respaldo da decrépita Elisabeth II ao indisfarçável
assalto corsário às ilhas do Atlântico Sul. Jubiloso tiro no pé, a
contraofensiva britânica ilustrou de modo exemplar a acusação de regime colonialista, formulada pelo
Ministro Timerman contra o Reino Unido, reforçando a percepção em escala mundial de que, de fato, com seus 10 “protetorados
em ultramar”, em pleno Terceiro Milênio, a Inglaterra é a mais descarada
potência tardo-colonialista do mundo.
Trinta anos após o enfrentamento
militar nas Malvinas, a Argentina denuncia a hipótese de novo deslocamento de
armamento nuclear – em português curto e grosso: bombas atômicas – pela Inglaterra às Ilhas Malvinas, violando as disposições da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS) -
estabelecida em 1986 mediante a Resolução 41/11 da Assembléia Geral das Nações
Unidas, encaminhada por iniciativa do Brasil - e do Tratado de
Tlatelolco (1969), que proibem terminantemente a circulação, quanto mais o uso de
armas nucleares na região.
Espectro sinistro, verdadeiramente demencial, durante a Guerra das Malvinas, o Reino Unido deslocara armas nucleares para o
conflito. Para não ferir as disposições do Tratado de Tlatelolco, as bombas
atômicas eram transferidas de belonave para belonave, até a última a aproximar-se da área de enfrentamentos, e até hoje o
governo britânico nega-se a confirmar se o cruzador “Sheffield”, afundado pela
Argentina, não levava a bordo bombas atômicas, que podem estar “dormindo” no
leito do mar que circunda as ilhas. (The Guardian, 6/12/2003 - http://www.guardian.co.uk/politics/2003/dec/06/military.freedomofinformation).
O resgate da soberania argentina sobre as Malvinas é apenas uma
questão de tempo; uma jornada longa e espinhosa. Contudo, o caminho indicado
para o êxito é a mesa de negociações, onde, sem dúvida a duras penas e mediante
concessões aos supostos “nativos”, a Argentina, apoiada pela imensa maioria da
comunidade internacional, subtrairá as ilhas ao controle colonial britânico,
esdrúxulo e decadente.
Trinta anos depois, a Guerra pelas Malvinas continua - mas com outros meios (se o imperiozinho, fátuo e esquálido, não perder a cabeça).
Fotos,
de cima para baixo: prisioneiros de guerra argentinos (1982);
Cristina F. de Kirchner com
James Peck (2011);
William Hague: como cria de
Maggie Thatcher (1982);
Sean Penn com Cristina Kirchner.