Neste mês de janeiro são lembrados na
Nicarágua os 45 anos da morte do poeta e combatente sandinista
Leonel Rugama e, no Peru, os 73 anos do nascimento do poeta e
guerrilheiro Javier Heraud.
Mortos respectivamente aos 20 e 21
anos, Heraud e Rugama são os exemplos mais precoces, na América
Latina, de poetas que caíram em combate, dando a vida por um sonho.
Leonel Rugama nasceu no Vale de
Matapalos, em março de 1949, e aos 18 anos entra para a Frente
Sandinista de Libertação Nacional, quando a Nicarágua vivia sob o
tacão perverso da ditadura de Anastásio Somoza Debayle.
Era o ano de 1967, quando os
sandinistas declararam guerra aberta a Somoza e sob essa bandeira
Leonel Rugama interna-se como combatente nas montanhas do país, onde
escreve seus primeiros poemas.
Ingressa depois na Universidade
Nacional, passa a dar aulas de matemática e publicar o jornal El
Estudiante. Publica seus primeiros versos no Diário La Prensa, e
seu poema La Tierra es un satélite de la Luna é um dos mais
difundidos na poesia latinoamericana.
O cineasta e escritor nicaraguense
Ricardo Zambrana fez um curta-metragem com o nome do famoso poema,
que mostra os últimos momentos de resistência de Rugama e seus
companheiros, antes de caírem, em 15 de janeiro de 1970, cercados e
metralhados por um batalhão de elite da Guarda Nacional de Somoza.
O grande poeta e sacerdote da
Nicarágua, Ernesto Cardenal, retrata poeticamente a imagem de sua
inquebrantável bravura e o transe de sua morte em "Reevaluación
de Leonel Rugama". Honrou seu nome
e a cidade de Manágua num poema chamado “Oráculo
sobre Managua”, assim como gravou,
declamando os versos de La Tierra es un
salétite da la Luna.
Javier
Heraud, nasceu em Lima, em 19 de
Janeiro de 1942, e desde a juventude passou a tomar consciência de
uma pátria ajoelhada ante os intereses imperialistas, acumpliciados
com as burguesias urbanas e as oligarquias agrárias.
O avançado ideário político
vivenciado na Universidade de San Marcus, o histórico das lutas
coloniais marcados pelo heroísmo libertário e o martírio de Túpac
Amaru, as massas indígenas sangradas pela usurpação de suas
terras, pela servidão desumana do trabalho no campo, o êxodo rural
e a marginalização urbana sobrevivendo na miséria e na
desesperança, foram os ingredientes que determinaram o seu
engajamento pelas causas sociais.
Heraud escreve seus primeiros
versos aos 15 anos e aos 18 publica o primeiro livro: El Rio.
Nesta mesma época seu segundo livro, El Viaje, divide o
primeiro prêmio com o poeta Cesar Calvo ao vencerem o concurso “El
Joven Poeta del Peru”.
Em 1961, é nomeado professor de
literatura num importante colégio de Lima e no mesmo ano, a convite
do Fórum Mundial da Juventude, viaja à União Soviética, estende
seu roteiro por países da Ásia, chega à França, onde visita o
túmulo do poeta peruano, Cesar Vallejo, e tem um encontro com o
jovem escritor Mario Vargas Llosa.
Depois de passar pela Espanha,
volta ao Peru, e no ano seguinte recebe uma bolsa para estudar cinema
em Cuba. Nesta época já se encontravam em Havana os revolucionários
peruanos que iriam comandar as quatro frentes guerrilheiras que
abririam as grandes trincheiras da guerrilha peruana em 1965, entre
eles Luis de la Puente Uceda, Guillermo Lobatón, Gonzalo Fernández
Gasco e Hector Béjar.
Após percorrer os caminhos da
Revolução Cubana pela Sierra Maestra, o grupo de 40 bolsistas, ao
qual estava integrado Javier Heraud, decide preparar-se militarmente
para voltar ao Peru como combatentes.
No início de 1963, o grupo, sob o
comando de Hector Béjar, deixa Havana e através de Praga e Paris
chega ao Rio de Janeiro.
No dia 19 de janeiro, Heraud comemora
seus 21 anos na passagem clandestina por São Paulo rumo ao Peru,
para unir-se às forças de Hugo Blanco no vale de La Convención, em
Cusco. Foi durante essa longa caminhada, durante cinco meses, por
cidades, vilarejos e pela selva peruana, que o poeta, inspirado na fé
revolucionária e no sonho de redenção social dos indígenas e
camponeses, secularmente explorados e humilhados em seu país,
transforma em versos suas esperanças e sua entrega incondicional à
causa revolucionária:
Porque
minha pátria é formosa
como
uma espada no ar
e tão
grande agora e ainda
mais
bela
eu
canto e a defendo
como
minha vida.(...)
De cima para baixo, Leonel Rugama, Javier Heraud,
Otto René Castillo (em Berlim, 1959) e Ariel Santibañez.
Fotos: divulgação.
Em 14 de maio, a vanguarda tática
à qual pertencia Javier Heraud, chega a Porto Maldonado e lá são
abordados pela polícia. Nesse enfrentamento a tiros, um sargento cai
morto e os guerrilheiros se dispersam em várias direções. No dia
seguinte, fugindo em direção ao rio Madre de Dios, Javier Heraud e
Alaín Elías tentam escapar numa canoa, mas são alcançados por uma
lancha militar que chega atirando. Ambos levantam as mãos, acenam a
rendição com uma camisa, mas são abatidos pelas armas de grosso
calibre dos militares e fazendeiros.
Depois de sua morte, o Exército
de Liberação Nacional do Peru (ELN) em que o poeta militava, passou
a chamar-se Guerrilha Javier Heraud e retomou a luta em 1965,
comandado por Hector Béjar. Laureado como ensaísta com o Prêmio
Literário Casa de Las Américas e atualmente sociólogo, catedrático
da Universidad de San Marcus e conferencista internacional, Béjar,
referindo-se tempos depois ao poeta, declarou:
(...)"Creio
que Javier é um caso extraordinário em que a poesia e a revolução
se entrelaçam com uma força sem precedentes na nossa história.
Javier continuou a escrever até mesmo na guerrilha (…)
Um
mês depois da morte, em uma homenagem universitária em Lima, feita
à memória do poeta, o grande escritor peruano José Maria Arguedas
declarou:
“ (...)
E agora me permitam dizer algumas palavras sobre o
puríssimo poeta Javier Heraud, cuja afeição ganhei honestamente.
Tendo em conta a personalidade de Javier Heraud, apenas duas
possibilidades lhe foram oferecidas no Peru: a glória literária, ou
o martírio. Preferiu a mais árdua, a que não oferece as
recompensas à que humanamente aspiram quase todos os homens. É raro
que num país como o nosso se apresentem exemplos como este. Até
o dia de hoje, os que têm a responsabilidade do governo e do destino
do Peru, não permitiram um único campo de ação sequer para
aqueles que anseiam a verdadeira justiça, ou seja, o caminho aberto
para a igualdade econômica e social que corresponda à igualdade da
natureza humana; esse caminho é o da rebelião, do assédio e o da
morte. Javier o escolheu, mas não nos esqueçamos que ele foi
forçado a escolher. Talvez tivesse agido de forma diferente em um
país sem tanta crueldade para os despossuídos, sem a crueldade que
se requer para manter as crianças escravas, "colonos"
escravos e “barriadas” onde o cão sem dono e a criança
abandonada comem o lixo, juntos (...) Acho que
Javier encontrou a imortalidade verdadeira, aquela que a poesia, por
si só, quem sabe não lhe teria dado. Não o esqueçamos.” (…).
.
No mês seguinte ao seu
assassinato, Pablo Neruda escreveu à família do poeta:
Universidade
do Chile
Ilha
Negra, junho de 1963
Li
com grande emoção as palavras de Alejandro Romualdo sobre
Javier Heraud. Também o valioso exame de Washington Delgado, os
protestos de Cesar Calvo, de Reinaldo Naranjo, de Arturo Corcuera, de
Gustavo Valcárcel. Também li o comovente relato de Jorge A. Heraud,
pai do poeta Javier.
Sinto que uma grande ferida
foi aberta no coração do Peru e que a poesia e o sangue do jovem
caído seguem resplandecentes, inesquecíveis.
Morrer
aos vinte anos crivado de balas "desnudos e sem armas no meio do
rio Madre de Dios, quando estava à deriva sem remos ...” o jovem
poeta morto ali, esmagado ali naquelas solidões pelas forças
das trevas. Nossa América escura, nosso tempo escuro.
Não tive a ventura de
conhecê-lo. Pelo que vocês contam, pelo que choram, pelo que
recordam, sua curta vida foi um deslumbrante relâmpago de energia e
de alegria.
Honra à sua memória luminosa. Guardaremos seu nome bem escrito. Bem gravado no mais alto e no mais profundo para que continue resplandecendo. Todos o verão, todos o amarão no amanhã, na hora da luz.
Honra à sua memória luminosa. Guardaremos seu nome bem escrito. Bem gravado no mais alto e no mais profundo para que continue resplandecendo. Todos o verão, todos o amarão no amanhã, na hora da luz.
Pablo Neruda
Vale a pena
ampliar essa agenda para lembrarmos aqui de outros poetas que, na
América Latina, também tombaram, executados cruelmente pelo
arbítrio das ditaduras que mancharam com a mais refinada crueldade
as trincheiras das lutas libertárias. Entre eles, cito os casos mais
torturantes do poeta e guerrilheiro guatemalteco Otto René
Castillo, e do poeta chileno, Ariel Santibañez.
Otto René Castillo nasceu
em 1936, em Quetzaltenango e, pela sua precocidade revolucionária,
aos 18 anos teve que asilar-se em El Salvador. Posteriormente, segue
para a Alemanha como bolsista para estudar Letras em Leipzig. Em
1964, volta à Guatemala, reinicia sua vida política e cultural,
publica o livro Tecún Umán e é nomeado diretor do Teatro
Municipal da cidade de Guatemala. Sofre novo exílio e é escolhido
pelas organizações revolucionárias da Guatemala como representante
do país, no Comitê Organizador do Festival Mundial da Juventude a
realizar-se na Argélia. Com essa missão, percorre a Alemanha,
Áustria, Hungria, Chipre, Argélia e Cuba.
Em 1966, volta clandestinamente
ao país e integra-se na luta armada. No ano seguinte, é preso em
combate, barbaramente torturado e mutilado na base militar de Zacapa.
Ante seu silêncio, seu rosto era cortado com lâmina de barbear,
enquanto um capitão do exército da Guatemala recitava com deboche
os versos de seu famoso poema Vamos patria a caminar. Seus
torturadores, perplexos frente sua inalterável resistência,
passaram a queimar seu corpo num inenarrável e mortal suplício,
entre os dias 19 e 23 de março de 1967.
Seu nome hoje é uma referência
histórica na Guatemala, quer pela beleza de sua poesia, quer pela
imagem do seu comprometimento político, aureolado com a coroa do
martírio.O poeta e ensaísta salvadorenho Roque Dalton descreveu com
as seguintes palavras os últimos momentos de seu camarada:
“Seus próprios
verdugos testemunharam sua coerência e sua coragem ante o inimigo, a
tortura e a morte: morreu como um inquebrantável lutador
revolucionário, sem ceder um milímetro no interrogatório,
reafirmando seus princípios embasados no marxismo-leninismo, em seu
fervente patriotismo guatemalteco e internacional, em seu
convencimento de estar seguindo – por sobre todos os riscos e
derrotas temporais – o único caminho verdadeiramente libertário
para nossos povos, o caminho da luta armada popular.”
Ariel Dantón Santibañez
Estay nasceu em 15 de novembro de 1948, em Antofagasta. Na
adolescência panfletava seus poemas, bem como distribuía, na
cidade, um jornal que ele mesmo datilografava. Cursou Pedagogia, em
língua castelhana, na Universidade do Chile, em Arica, onde dirigia
a Revista Tebaida e participava politicamente da vida
acadêmica e do ambiente literário que contagiava toda a cultura da
cidade, no fim da década de 60.
A partir de 1970, alguns de seus
poemas começam a ter destaque internacional, publicados na Argentina
pela revista Cormorán y Delfin, bem como na revista Nuevo
Mundo, em Paris. Dois poemas seus, “Ídolo roto” e
“Esos viejos” aparecem na Road Apple Review, editada
pela Universidade de Wisconsin, e a revista estudantil Oclae, de
Havana, também publica seus versos.
No início de 1973, está em Cuba
passando por treinamento militar, como militante do MIR (Movimiento
de Izquerda Revolucionario). Volta ao Chile antes do golpe
sanguinário contra Allende e em novembro daquele ano, é detido por
três dias e torturado em Antofagasta. Entra na clandestinidade e
posteriormente é preso em Santiago. Em 22 de dezembro foi visto
entre os prisioneiros da Villa Grimaldi, as sinistras dependências
usadas para interrogatório e tortura pelos agentes da ditadura de
Pinochet.
Não é difícil imaginar o que
aconteceu a Ariel Santibañez ante a cultura de terror e assassinatos
que se instaurou no Chile.
Ariel desapareceu para sempre aos
26 anos, e a obstinação com que se levanta atualmente a sua memória
de poeta e de mártir, se compara ao trabalho de pesquisa com que se
constrói, no Peru, a imagem do poeta guerrilheiro Javier Heraud, Em
dezembro de 2009, o ex-general Manuel Contreras recebeu a pena de
cinco anos de prisão, em segunda condenação, pelo sequestro e
desaparecimento do poeta Ariel Santibañez, em 13 de novembro de
1974.
Esta relação estaria incompleta
se não nomeássemos também o poeta andaluz Federico Garcia
Lorca, que aos 38 anos cai metralhado em Granada, como uma das
primeiras vítimas da Guerra Civil Espanhola e do célebre poeta
inglês Lord Byron, que morreu em Missolonghi, aos 36 anos,
quando lutava pela independência da Grécia.
Os poetas não morrem
jamais, seguem vivos no lirismo e na magia dos seus versos, na
memória agradecida dos povos e nos registros indeléveis da
História.
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