Empresário de origem nazista ameaça
Bachelet no dia da eleição,
mas CNN Chile retira do ar entrevista
comprometedora.
Enquanto
os chilenos se dirigiam às urnas, no último domingo, 15 de
dezembro, o empresário Sven von Appen, de origem alemã e dono do
poderoso grupo Ultramar, concedeu entrevista à CNN Chile, na qual
ameaçou abertamente Michelle Bachelet e a Democracia no país
andino.
Comentando
o primeiro governo de Bachelet (2006-2010), o empresário disparou:
“Bem, ela não fez muita coisa, comparada com os que estiveram
antes dela, especialmente Pinochet... Pinochet foi um homem...[abre
os braços, como quem diz “extraordinário”] Se isso acontecer
[querendo dizer: se Bachelet não corresponder às expectativas],
buscaremos outro Pinochet!”.
http://noticias.terra.cl/elecciones/empresario-si-bachelet-lo-hace-mal-buscamos-otro-pinochet,42fa7531c47f2410VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html
As
reações à provocação de Von Appen foram rápidas e contundentes:
Carol Cariola, deputada recém-eleita, teclou no Twitter:
“Empresario
pesquero Sven von Appen: Ante eventual mal manejo económico de
Bachelet "buscamos otro Pinochet"/ Esto es INACEPTABLE”.
A jornalista Carmen Hermosilla, célebre na imprensa digital chilena,
alertou: “Von Appen es viejo rico que dicen su verdad con
desparpajo. Senil? De Pinochet dijeron lo mismo para ahorrarle un
juicio”.
Contudo,
poucas horas depois de ir ao ar, o vídeo desapareceu do site da CNN
Chile e dos comandos partidários, especialmente da Nova Maioria,
nenhuma reação.
“Senil”
ou golpista?
Dirigido
pelos irmãos Wolf e Sven von Appen, a holding Ultramar é emblema
das novas fortunas engendradas pela política de privatizações da
era Pinochet, como também pelas licitações promovidas durante os
anos 1990, pelos governos da ex-Concertación, hoje Nova Maioria, de
centro-esquerda. Mantendo denso entrecruzamento de participações
com duas outras empresas chilenas, a Ultramar comanda o cartel dos
negócios portuário e de agenciamento marítimo no país, mas como
sócia da mina de carvão Isla Riesco e da termoelétrica Guacolda,
também está presente nos setores de mineração e energia.
Não
é a primeira vez que Sven von Appen causa indignação na opinião
públcia chilena: em 15 de maio do ano em curso, conversando com o
jornal “La Segunda”
http://www.lasegunda.com/Noticias/Economia/2013/05/847586/sven-von-appen-a-los-chilenos-les-ha-crecido-tanto-el-apetito-que-no-pueden-parar-la-unica-solucion-es-una-crisis
,
do empresário Alvaro Saieh, sobre o momento político no Chile, Von
Appen elogiou Sebastián Piñera e Pinochet - “Este ministro [da
Fazenda, Felipe Larraín], este Presidente [Piñera] e oturos tantos,
criaram o presente avanço do Chile, bastante singular, avanço que
já tivemos anteriormente, com um presidente muito bom [Pinochet]",
e completou, saindo-se com a seguinte pérola:”Aumentou tanto o
apetite dos chilenos, que não conseguem parar. Isso vai engordá-los
e acomodá-los e, a meu ver, a única solução solução é uma
crise internacional ou chilena, de caráter financeiro... para que o
chileno caia na real...".
Ao
ser questionado, como seria originada a crise apontada como solução,
advertiu sem papas na língua, uma saída golpista: “Ganhando a
esquerda comunista, provocará a instabilidade econômica”.
Traduzindo:
apesar das gritantes desigualdades sociais provocadas pelo “modelo”
neoliberal pinochetista que sobrevive no Chile, Von Appen insurge-se
até mesmo contra a incipiente mobilidade social e as migalhas
atiradas aos pobres, sob forma de cartões de credito e
endividamento, atitude que deixou transparecer não apenas seu viés
selvagem do capitalista inescrupuloso, mas também o olhar mesquinho
e racista sobre o chileno humilde.
O
rebocador das atrocidades
Para
apagar o incêndio de indignação que tomou conta dos meios de
comunicação chilenos, em carta enviada ao “La Segunda”, esposa
e filhos de Von Appen apressaram-se em atibuir ao patricarca sintomas
de desequilibrio que “nos
obliga a compartir algo que considerábamos propio de la intimidad de
nuestra família... Sucede que desde hace algún tiempo nuestro padre
sufre de una enfermedad degenerativa propia de la vejez contra la
cual lucha día a día...”,
justificou a família, em atitude que devolveu aos chilenos a
lembrança da declaração de “incapacidade” conferida a Pinochet
em 2003, para garantir sua impunidade.
Como
a maioria dos grandes empresários chilenos, Von Appen é
pinochetista convicto e ostenta um currículo manchado pelas
atrocidades da ditadura Pinochet: no início do novo milênio,
adquiriu da empresa de navegação Kenrick
o rebocador “Kiwi”, utilizado
durante a ditadura militar pela Marinha chilena na baía do Porto de
San Antonio como plataforma para lançar ao mar 400 presos políticos
assassinados pela DINA, caso ainda investigado pela Justiça chilena.
Diante das denúncias dos movimentos de DDHH, a Ultramar de Von Appen
dedidiu mudar o nome do rebocador para “El Brujo” (sic!)
e
transferi-lo para suas operações em águas peruanas.
Filho
de espião nazista
Wolf
e Sven von Appen são filhos de Julius von Appen, fundador do grupo
Ultramar, mas antes disto, espião nazista, preso e extraditado pelo
Chile em 1945.
Conforme
pesquisa realizada pela historiadora María Soledad de la Cerda em
seu livro “Chile y los Hombres del Tercer Reich” (Ed.
Sudamericana chilena, 2000), Julius von Appen chegou ao Chile em
1937, em missão assaz diferente da descrita no portal do Centro de
Empresas Familiares Albert von Appen da Universidade Adolfo Ibañez,
que o apresenta como respeitável capitão da marinha mercante alemã,
que desembarcara no país andino com esposa e dois filhos em busca de
um novo futuro.
Com
o nom
de guerre
“Apfel” (maçã), Von Appen liderou no Chile uma rede de espiões
de Hitler, que não apenas observavam o movimento marítimo em portos
chilenos, mas cuja missão incluía ações de sabotagem ao longo da
costa do Pacífico. A identidade de “maçã” - Julio Alberto von
Appen Oestman - acabou descoberta pelo Departamento 50, a então
unidade de contra-espionagem chilena, fortemente pressionada pelos
EEUUA, por sua vez informados de que Von Appen tinha por encomenda
em Berlim, explodir fábricas, barcos e também o Canal do Panamá.
Detido
pela primeira vez em 1942, já em liberdade, Julius von Appen
instalou-se
numa pequena granja em Limache, como criador de frangos. Preso em
1945, foi internado em um campo de prisioneiros de guerra nos EEUUA,
onde ganhou a liberdade em 1948, retornando ao Chile.
Em
entrevista concedido em 8 de abril de 1948 ao jornal “La Hora”, o
ex-espião justificou sem o menor cosntrangimento as razões de seu
envolvimento na rede de espionagem nazista:
“Por um motivo muito simples. A Hamburgo American Line, da que eu
era empregado, me designou inspector marítimo, com base neste país.
Fui e sou militante ativo do partido nazi. Não o nego, do mesmo modo
como o sr. tampouco ocultaria sua filiação política. Mas havia uma
consideração mais forte, eu sou alemão e me sinto alemão em
qualquer ponto do globo terrestre (…). Sim, sempre mantive contato
com Berlim e meu partido. No Chile, criei uma filial, com ela
deveria difundir onde fosse o novo espírito germano. Era meu dever
(…).”
Publicado em Jornal GGN, 19/12/2003
Nenhum comentário:
Postar um comentário