Desde o golpe que tirou Mohamed Morsi do poder, a violação dos direitos humanos no país tornou-se cada vez pior. Dados indicam torturas, mais de 2 mil mortes e 16 mil prisões. Por Medea Benjamin e Kate Chandley, em Codepink.
23 de Abril, 2014 - 15:43h
O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, e o general Al Sisi: a Casa Branca continua a fornecer 250 milhões de dólares de apoio económico. Foto de U.S. Department of State, creative commons.
Depois de uma visita recente de uma delegação da organização pacifista Codepink ao Egito ter terminado emdeportações e agressões, ficaram evidentes alguns dos horrores que os egípcios enfrentam na esteira do golpe de 3 de julho de 2013, que derrubou o presidente eleito Mohammed Morsi: mais de 2.500 civis foram mortos em protestos e confrontos com forças de segurança; mais de 16 mil estão na prisão devido às suas crenças políticas, e asdenúncias de tortura são inúmeras. Milhões de pessoas que votaram em Morsi – nas eleições que os observadores internacionais declararam como legítimas – estão a viver sob terror, assim como o estão os opositores seculares do regime militar. Os níveis de violência não têm precedentes na história moderna do Egito. Com o antigo ministro da defesa Abdel Fatah al-Sisi a ser considerado o próximo presidente em eleições já também consideradas fraudulentas, o militarismo egípcio está a dar passos largos para conseguir acabar com os levantes que ganharam os corações da comunidade internacional durante a Primavera Árabe.
O caso mais notório é o julgamento de três jornalistas da Al Jazeera e os seus defensores, denunciados por alegadamente fabricarem notícias falsas e trabalharem junto da Irmandade Muçulmana. Em 10 de abril, houve uma tentativa ridícula de apresentar provas contra eles – que consistiram na base das acusações – mas não passavam de fotos de família, cavalos no campo e refugiados somalis no Quénia. O juiz dispensou as “provas”, mas não as acusações.
O Comité de Proteção a Jornalistas classificou o Egito como o terceiro país mais mortífero para jornalistas em 2013, atrás apenas da Síria e do Iraque.
Esse caso é apenas o mais notório do vasto ataque contra a liberdade de expressão no país. O governo já fechou diversos canais de televisão e redações de média impressos, afiliados à Irmandade e outras correntes islâmicas. O Comité de Proteção a Jornalistas classificou o Egito como o terceiro país mais mortífero para jornalistas em 2013, atrás apenas da Síria e do Iraque.
Um incidente que mostra como o sistema judiciário está a trabalhar lado a lado com os militares foi o infame 24 de março, onde 529 partidários de Morsi foram condenados à morte num julgamento em massa. O grupo inteiro foi acusado de matar um polícia. O julgamento consistiu em duas sessões, cada uma durando menos de 1 hora. O Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, disse que a sentença desafia a lógica e a Amnistia Internacional chamou a decisão de “grotesca”.
Nem mesmo quem possui passaporte dos EUA (aliados modernos do regime militar egípcio) escapam da perseguição: Mohamed Soltan, de 26 anos e formado pela Universidade de Ohio, estava a trabalhar no auxílio a veículos de imprensa da língua inglesa nas suas coberturas dos protestos contra o golpe militar na praça Rabaa, que foi violentamente reprimida pela polícia e resultou na morte de mais de 1.000 pessoas. Na cadeia há mais de 7 meses, Soltan está numa greve de fome desde 26 de janeiro e agora está tão fraco que não consegue nem andar. A sua situação na prisão tem sido horrível: quando foi preso, Soltan estava com um ferimento a bala que ainda não havia curado. Os dirigentes da prisão recusaram-se a tratar dele e, nesse momento, outro prisioneiro que era médico realizou uma cirurgia com alicate no chão imundo da prisão, sem qualquer anestesia. O seu julgamento já foi adiado diversas vezes e não existe qualquer previsão de que realmente vá acontecer. (ativistas nos EUA estão a mobilizar-se em sua defesa).
As organizações Mulheres Contra o Golpe e Organização Árabe pelos Direitos Humanos, relataram espancamentos e assédios sexuais de mulheres na prisão.
Ativistas feministas também têm encarado experiências desumanas. Em fevereiro, quatro mulheres foram presas por participarem de protestos contra os militares, e alegam que foram submetidas a “testes de virgindade”, enquanto estavam presas – uma prática que o líder do golpe e futuro presidente apoia. Somando-se ao horror dos testes de virgindade, a Amnistia Internacional também relatou que as mulheres presas no Egito têm de passar por duras condições, que incluem serem obrigadas a dormir no chão e não poderem utilizar a casa de banho por 10 horas (das 10 da noite às 8 da manhã). As organizações Mulheres Contra o Golpe e Organização Árabe pelos Direitos Humanos, relataram espancamentos e assédios sexuais de mulheres na prisão.
A situação interna pode ficar ainda pior: uma nova legislação “antiterrorista” está para ser aprovada pelo presidente egípcio, aumentando o poder do governo para acabar com a liberdade de expressão e prender opositores. Dois novos rascunhos de lei violam o direito à liberdade de expressão, incluindo penalidades de até três anos de prisão por se insultar verbalmente um funcionário público ou membro das forças de segurança. O governo amplia a definição existente de terrorismo para incluir ações que visam prejudicar a unidade nacional, os recursos naturais, monumentos, sistemas de comunicação, a economia nacional ou atrapalhar o trabalho dos corpos jurídicos e diplomáticos no Egito. “O problema com essas definições vagas de ‘atos terroristas’ é que elas permitem que as autoridades movam um processo contra praticamente qualquer ativista pacífico”, disse Hassiba Hadj Sahraoui, da Amnistia Internacional.
O rascunho da legislação também aumenta o âmbito para o uso da pena de morte para incluir “administração ou gestão de grupos terroristas”. A Irmandade Muçulmana foiclassificadacomo grupo terrorista pelas autoridades egípcias em dezembro passado – apesar de não existir qualquer prova factual de se terem envolvido com terrorismo.
O governo norte-americano recusa-se a chamar a destituição de Morsi de “golpe”e continua a fornecer 250 milhões de dólares como apoio económico, assim como o financiamento para controlo de narcóticos e treinamento militar, mesmo tendo os antigos 1,3 mil milhões de dólares de ajuda militar suspensos.
22/4/2014
Publicado na revista Fórum
Tradução: Vinicius Gomes
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