31 dezembro 2013

Frederico Füllgraf - Feliz Ano Velho

Ilustração|: divulgação

Hoje, longe do chão da minha infância, mas também do meu exílio,
sou só...

Viagem

Em torno da odisseia das ilhas, creio levar
Neste puro desejo que me transcende, a senha
E a palavra-chave de os labirintos serem aqui
Simples lugares de passagem, apenas paisagem...

O andarilho palmilha todas as dunas, areias
De intermináveis desertos e todas as ondas
Que os oceanos concedem, quando furibundas
Ou, mesmo, serenadas e das praias acariciadas...

Sem culpa, nem sina – ou de job puro devedor -,
Percorro de lés a lés o mapa que é de ti e do mundo
Como quem responde à morte o saldo estival...

Como quem salta para a eterna idade da vida
E fica suspenso entre a estrela e sua cadência
A riscar, de viajar tão-somente, o céu da noite...”.

(Filinto Elísio Correia e Silva, poeta de Cabo Verde).

Hoje, saúdo o Novo ano, agradecendo ao ano Velho.

Em terras que me acolheram além-cordilheira, concedeu-me da conquista o mais sublime prêmio: a amizade, o afeto, a fraternidade.

Ode à Amizade

Se depois do infortúnio de nascermos
Escravos da Doença e dos Pesares
Alvos de Invejas, alvos de Calúnias
Mostrando-nos a campa
A cada passo aberta o Mar e a Terra;
Um raio despedido, fuzilando
Terror e morte, no rasgar das nuvens
O tenebroso seio
A Divina Amizade não viera
Com piedosa mão limpar o pranto,
Embotar com dulcíssono conforto
As lanças da Amargura;
O Sábio espedaçara os nós da vida
Mal que a Razão no espelho da Experiência
Lhe apontasse apinhados inimigos
C'o as cruas mãos armadas;
Terna Amizade, em teu altar tranquilo
Ponho — por que hoje, e sempre arda perene
O vago coração, ludíbrio e jogo
Do zombador Tirano.
Amor me deu a vida: a vida enjeito,
Se a Amizade a não doura, a não afaga;
Se com mais fortes nós, que a Natureza,
Lhe não ata os instantes.
Que só ditosos são na aberta liça
Dois mortais, que nos braços da Amizade,
Estreitos se unem, bebem de teu seio
Nectárea valentia.
Tu cerceias o mal, o bem dilatas,
E as almas que cultivas cuidadosa,
Com teu suave alento aformosentam-se
Medradas e viçosas.
Caia a Desgraça, mais que o raio aguda
Rebente sobre a fronte ao mal votada
Mais lenta é a queda, menos cala o golpe
No manto da Amizade:
E se desce o Prazer, com ledo rosto
A alumiar o peito de Filinto,
A chama sobe, e vai prender seu lume
Na alma do fido Amigo.”
(Filinto Elísio, poeta pre-romântico português do séc. XVIII).


Por isso, antes que o sol se ponha em minha austral latitude, louvo com desculpas pela incompletude

Adolfo Millabur, Alcalde de Tirúa, lonko valente e sábio Lafkenche;
Alejandra Melgarejo, incansável militante da mesma causa originária;
Alejandro Lavquén, insigne poeta santiagueño, nos falamos há dois anos, sem que jamais tocássemos de nossas camisas o pano;
Antonia Cabezas, teimosa editora, contra o “meinstrim” laboriosa autora;
Carlos Fritz, irmão de Eulogio, o lutador desaparecidocompanheiro sofrido;
Cosme Caracciolo, pescador das orlas de San Antonio, esgrimista de utopico patrimônio;
Cristina Pizzaro e Felipe Castillo, escultores do belo, sempre ali, ancorados na Negra Ilha de Neftali;
Eva Vergara, mais confidente que colega de periodismo - “el mejor ofício del mundo”, como disse García Márquez em instante fecundo;
Juan, meu vizinho, cujo sobrenome esqueço, companheiro de muitos mates amargos e tropeços;
Juan Carlos Cárdenas, guerrilheiro dos oceanos e suas gentes do mar hispano;
Luiz Claudio Cunha, monumento do jornalismo, gaúcho hermano, corpo e alma blindados ao cinismo;
Luiz Egypto, do Observatório da Imprensa inspirado editor, de vinhos chilenos o sei escolado bebedor;
Aos três Manuéis- ao Andrade, que se escreve “Manoel”, bardo brasileiro, veias abertas saturadas de Américas e mel, - ao Araya, chofer de Neruda, que me liga toda semana, como fosse o anjo da guarda que me escuda, - ao Mirabur, Araucano de Elicura, que em seu fundo cultiva plantas da paz e seiva pura;
Maria José Vieira de Souza, livre-pensante, algarvia amizade, onde se abraçam   os mares da minha “sodade”;
Mauro Lando, dos fratelos o mais antigo, tradutor de línguas babélicasirmão frequente abrigo;
Mauro Mosciatti Olivieri, que mal minha voz com sotaque brasileiro pressentiu, e quis contratá-la la para o que foi Rádio Lota e hoje se chama Biobío (continuo na escuta, Mauro – ouviu!);
Millaray Painemal, amazona da Araucanía, guerreira por um mundo melhor en la lejanía;
Patricio Manns, Arriba en la Cordillera reverbera tu poesía y a cada página late el Corazón a Contraluz, escrito en la ventisqueria,
Sandro, heróico policial dos humilhados, cujo nome completo é a urticária dos lesa-humanidade degenerados,
Ute Lemper, coréografa da voz, cantatriz do amor, em 2014, prometo, cantarás frente ao mar de Isla Negra para todos nós,
e
Julia, aqui fora de ordem alfabética, sin magullas ni rencores, en el jardín brotaron nuevas rosas con rubros odores.




Santa (!) Césaria  Évora - "Sodade" (Paris, 2004)


Quem mostra' bo Ess caminho longe?
Quem mostra' bo
Ess caminho longe?
Ess caminho
Pa São Tomé
Sodade sodade

Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau
Si bo 'screve' me
'M ta 'screve be
Si bo 'squece me
'M ta 'squece be
Até dia Qui bo voltà
Sodade Sodade Sodade
Dess nha terra Sao Nicolau.

[Añoranza]

Quién te mostrará
ese largo camino?
Quién te mostrara
ese largo camino?
Ese camino para San Tomé

Te extraño  Te extraño Te extraño 
Esa tierra de San Nicolás
Si tú me escribes
(yo) te escribiré
Si tú me olvidas
(yo) te olvidaré
hasta el día
que tú regreses.


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