21 novembro 2013

Manoel de Andrade - Bandeiras e máscaras

Fotos: divulgação

Esse é o tempo cruel que antecede o amanhecer.
Em seu rastro marcham os filhos das estrelas e os herdeiros da penumbra.
Na moldura das horas as intenções se partem.
Ali, os justos ensaiam seus passos.
Acolá, nos becos, os ânimos crepitam
e engatilham seus gestos.
Nas ruas as faces empunham bandeiras,
as máscaras escondem punhais.


Passo a passo, portando consignas e estandartes, a multidão caminha...
ocupam estradas, bloqueiam rodovias, paralisam cidades,
avançam no seio da tarde denunciando os charcos do poder e os leilões 
da mais-valia.
É o nosso “Dia de Lutas”, gritam os sindicalizados.
São cinquenta, são cem mil pedindo tarifas justas,
terras repartidas, quarenta horas semanais...
Faixas, cartazes, coros e gritos:
“Prisão para os corruptos”, “Punição para os crimes da ditadura”.
“O povo acordou, o povo decidiu, ou para a roubalheira, ou paramos o Brasil”.


Eis o espaço do povo,
eis as ruas virtuais,
é a nova democracia,
pelas redes sociais.
Salve moças e rapazes,
salve as faces descobertas,
salve as bandeiras e os sonhos,
erguidos com transparência.

De repente as fronteiras são rompidas,
sobre as cores da paisagem as máscaras armam seus braços,
quais abutres insaciáveis atacam os cristais e escarram na decência.
Atrás dos grandes escudos os uniformes avançam.
Voam coquetéis e pedras, explodem gazes, morteiros,
soam tiros e foguetes entre o fogo e as barricadas.
Salve os agentes da ordem, salve os bons pretorianos.
O verde-oliva e o negro já cruzam suas espadas,
barras, paus e cassetetes
e as razões abaladas.
Chegou a tropa de choque nos trajes da truculência.
Surge o gesto inconfessável,
surge a fraude na vergonha e o flagrante forjado.
Asco aos falcões do cinismo algemando a inocência.


Eis o palco dos tumultos,
eis as cinzas da batalha,
eis o saldo do espanto
e a multidão dispersada.
Restou o ato incompleto,
sem o hino dos professores,
e sem o eco das promessas
na voz dos governadores.
Massacraram a primavera
e a magia da cidade.
Assustaram os pardais,
retalharam a liberdade.
Eis a cultura que herdamos
a esfolar nossas almas.
Abatido por tantos golpes,
o amor é um silêncio
e as avenidas soluçam,
qual um salgueiro de lágrimas.


E agora, eis-me aqui, diante da poesia,
assistindo desabar as velhas torres do encanto...
Perplexo, que posso ainda?
sou apenas um olhar melancólico diante da esperança.
Indignado ante a mística do horror,
quero transformar em versos os protestos, o confronto, as cicatrizes.
A realidade é um idioma intraduzível,
e eu impotente, ante o mistério sinuoso das palavras.
As palavras, oh! as palavras em sua essência,
elas não se revelam a qualquer poeta...
habitam em seu próprio enigma,
são silentes como os hinos do entardecer...
Nesse impasse, entre as imagens e o lirismo,
ante a sensibilidade e a violência,
sei de um roseiral em flor no caminho dos meus passos,
alhures há um campo de espigas que cantam, balançando ao vento
e, nesta palmeira esbelta, a vida é reproclamada nos trinos de um ninho em festa.


Curitiba, outubro de 2013.

13 comentários:

Anônimo disse...

Excelente retrato poético desse importante momento histórico que viveu o Brasil.
Isabela

Anônimo disse...

Aí está novamente o poeta, retratando em versos, os fatos na beleza das palavras, construídas nos sentimentos de ideais nobres, na verdadeira prática do Repartir o Pão, , no Difundir o Bem e Socializar o Amor, o Respeito e a Solidariedade e a cidadania como patrimônio real e tangível da construção humana. Parabéns nobre Poeta, o momento é ideal para colocar a tua poesia como instrumento e guia daqueles que ainda creem nos verdadeiros valores da vida. Jorge

Oduvaldo Mello disse...

Esse Guri-Poeta vai longe! Parabéns por nos encantar com suas belas palavras.
Oduvaldo

Anônimo disse...

Tuas palavras colocadas no poema, nos encantam com emoção,com o quadro da nossa realidade, que nos atinge a todos e desperta ainda mais aos valores morais que deveríamos ter.
Parabéns, continue a nos brindar ...
Vanda

Anônimo disse...

Posso discordar da temática, mas sem dúvida, o poema é belíssimo!

Rita Diogo disse...

Que sorte a nossa, que ainda temos os poetas para contar nossas histórias, para chorar nossos choros e rir nossos risos.

Obrigada, poeta!
Bjs.

Dan disse...

Nossa, sensacional!

Anônimo disse...

Perfeito. O poeta soube captar com precisão esse marco histórico no Brasil.
Graça

Anônimo disse...

Maravilha de maravilha!

Anônimo disse...

Sempre nos surpreendendo com maravilhosas poesias...
Angélica

lúcia misael disse...

Sensacional! Vou compartilhar.

JoaoSchneider disse...

Grande Manoel, orgulho do nosso grupo!

cris disse...

Parabéns Manoel, o teu grito de lirismo e verdade traz beleza inestimável e a comprovação de que só se alcança a felicidade nas puras ações da fraternidade e da paz.
Valter e Cristina