17 março 2012

Frederico Füllgraf - Malvinas: trinta anos depois, a guerra continua


No próximo dia 2 de abril, completam-se trinta anos da Guerra das Malvinas (1982), que durou dois meses, ceifou a vida de 650 argentinos e 255 britânicos, e culminou com a capitulação de 11.313 tropas argentinas – uma derrota humilhante para os generais-torturadores que ocupavam a Casa Rosada, dando início ao fim da mais sangrenta ditadura dos anos de chumbo da América Latina, que “desapareceu” com 30 mil opositores políticos.

Desde o final de 2011, os governos argentino e inglês esgrimem uma guerrilha de desgaste na mídia internacional, cujo vitorioso até a véspera do 30º aniversário do conflito, sem sombra de dúvida, é o Governo Cristina Fernández de Kirchner. Isto porque, apesar da notória arrogância e irredutibilidade inglesas, trinta anos depois do literal salto no escuro do ébrio Gal. Leopoldo Galtieri, com sua astúcia e ofensiva diplomática, a Argentina de Kirchner possui as melhoras cartas: conseguiu provar a violação de resoluções da ONU pelo Reino Unido, atestar seu desinteressse por novo enfrentamento armado e sua aposta na mesa de negociações, somando apoios solidários e incondicionais, não apenas dos países latino-americanos (Unasul, Aladi e OEA), mas de todo o Atlântico Sul, ao seu papel de soberana legítima sobre o arquipélago, herdado uti possidetis mediante sua independência da Espanha (Províncias Unidas, 9 de julho de 1816), em seguida invadido por piratas ingleses e norte-americanos, que em 1833 expulsaram das ilhas seus primeiros administradores platenses.

Episódio insólito presenciado em Londres, em junho de 2011, James Peck, filho de um soldado britânico das Malvinas, casado com uma argentina, naturalizou-se e recebeu das mãos de Cristina Kirchner a carteina de identidade (DNI), ainda por cima declarando que a Argentina era o país onde se sentia feliz e que as ilhas ocupadas por sua família pertenciam a Buenos Aires!

Fazendo coro, no início de 2012, os países do Mercosul proibiram o atracamento de barcos sob bandeira britânica das Malvinas em portos do Continente, medida até mesmo endossada pelo governo direitista de Sebastián Piñera, no Chile. Contudo, a cereja no bolo foi a atração para o salão nobre da Casa Rosada de ilustres dissidentes de Hollywood (Sean Penn) e do mainstream musical (Roger Waters, ex-Pink Floyd), fanfarroneando em uníssono, “Las Malvinas son argentinas!”. Quer dizer: mais ou menos argentinas, porque Waters disse “should be argentine!”, e depois tentou desdizer-se, mas já era tarde, sua entrevista já rodava no Youtube... Viento sur! - o garoto de recados da city londrina e mais que insensato “dissidente” da União Européia, David Cameron, não soube onde esconder sua estampa humilhada.

No início de fevereiro, via Penguin News, veio o “troco”: o único jornal dos kelpers – gentilíco que deriva das algas kelp, cuja apanha em mais de duzentos anos de ocupação e vandalismo de variadas espécies da flora e fauna malvinense indica ser o único “valor agregado” pelos pouco mais de três mil súditos trazidos das Ilhas Britânicas – chamou a Presidente Kirchner de “bitch”; baixo calão, cuja versão branda significa “cadela”, mas cuja intenção foi mesmo a de ofender a mais alta dignitária argentina como “puta”. No início do ano, William Hague, ministro do exterior inglês, realizava afobada visita ao Brasil e ao Chile, numa desesperada tentativa de reverter o “bloqueio naval” do Mercosul, seduzindo com as miçangas baratas dos conquistadores nas praias dos gentíos - acordos de cooperação científica e cultural e intensificação do sofrível comércio bilateral - e a indisfarçável intenção de “isolar” a Argentina – mas o tiro lhe saiu pela culatra, quem já estava isolado era o Reino Unido.

Com uma manobra risível, mas truculenta, Cameron reforçou a carga, destacando para as Malvinas o destroyer de última geração, HMS Dauntless ("sem medo"), poucas semanas depois, o próprio príncipe (-herdeiro) William, como demonstração do inequívoco respaldo da decrépita Elisabeth II ao indisfarçável assalto corsário às ilhas do Atlântico Sul. Jubiloso tiro no pé, a contraofensiva britânica ilustrou de modo exemplar a acusação de regime colonialista, formulada pelo Ministro Timerman contra o Reino Unido, reforçando a percepção em escala mundial de que, de fato, com seus 10 “protetorados em ultramar”, em pleno Terceiro Milênio, a Inglaterra é a mais descarada potência tardo-colonialista do mundo.

Trinta anos após o enfrentamento militar nas Malvinas, a Argentina denuncia a hipótese de novo deslocamento de armamento nuclear – em português curto e grosso: bombas atômicas – pela Inglaterra às Ilhas Malvinas, violando as disposições da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (ZPCAS) - estabelecida em 1986 mediante a Resolução 41/11 da Assembléia Geral das Nações Unidas, encaminhada por iniciativa do Brasil - e do Tratado de Tlatelolco (1969), que proibem terminantemente a circulação, quanto mais o uso de armas nucleares na região.

Espectro sinistro, verdadeiramente demencial, durante a Guerra das Malvinas, o Reino Unido deslocara armas nucleares para o conflito. Para não ferir as disposições do Tratado de Tlatelolco, as bombas atômicas eram transferidas de belonave para belonave, até a última a aproximar-se da área de enfrentamentos, e até hoje o governo britânico nega-se a confirmar se o cruzador “Sheffield”, afundado pela Argentina, não levava a bordo bombas atômicas, que podem estar “dormindo” no leito do mar que circunda as ilhas. (The Guardian, 6/12/2003 - http://www.guardian.co.uk/politics/2003/dec/06/military.freedomofinformation).

O resgate da soberania argentina sobre as Malvinas é apenas uma questão de tempo; uma jornada longa e espinhosa. Contudo, o caminho indicado para o êxito é a mesa de negociações, onde, sem dúvida a duras penas e mediante concessões aos supostos “nativos”, a Argentina, apoiada pela imensa maioria da comunidade internacional, subtrairá as ilhas ao controle colonial britânico, esdrúxulo e decadente. 

Trinta anos depois, a Guerra pelas Malvinas continua - mas com outros meios (se o imperiozinho, fátuo e esquálido, não perder a cabeça).

Fotos, de cima para baixo: prisioneiros de guerra argentinos (1982);
Cristina F. de Kirchner com James Peck (2011); 
William Hague: como cria de Maggie Thatcher (1982);
Sean Penn com Cristina Kirchner.

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