17 maio 2013

Mário Magalhães - Governo Videla queimava corpos de opositores em fornos de hospitais


 Documento secreto no Brasil, 
revela cooperação antes da Operação Cóndor


[...] Ao contrário do que muita gente pensa, não foram abertos os arquivos da repressão argentina. Os acervos de 1976 a 83 foram destruídos ou escondidos. Sumiram. Restaram muito poucos documentos do horror.

Acabei por descobrir no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro uma preciosidade histórica: um relatório da Força Aérea Brasileira, da época da “nossa” ditadura, nítida tradução de original argentino, dando conta de um “problema” em 1977. A ditadura vizinha atirava corpos mutilados de oposicionistas no rio da Prata, mas os cadáveres desaguavam no Uruguai, causando constrangimentos. A “solução”: passaram a cremá-los em fornos de hospitais.

O documento foi revelado na “Folha de S. Paulo” em maio de 2000. No dia seguinte, o jornal “Página 12”, de Buenos Aires, noticiou a matéria e tascou o título na capa: “Auschwitz argentino”. Eis a íntegra da reportagem que escrevi:

O regime militar da Argentina (1976-83) sumia com os corpos de opositores de esquerda assassinados pelas forças de repressão jogando-os no rio da Prata ou cremando-os em fornos de hospitais públicos.

Essa afirmação consta do informe confidencial nº 013/A-2 do 3º Comar (Comando Aéreo Regional), da Aeronáutica.

O relatório foi escrito num formulário do Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica) no dia 11 de agosto de 1977, com o título “Evolução da Luta Anti-subversiva na Argentina – Período de Janeiro a Maio de 1977″.

A Folha encontrou uma cópia guardada no Arquivo Público do Estado do Rio. Sobre o papel, foi impresso o carimbo “Ministério da Aeronáutica, 2ª Seção do Estado-Maior, 3º Comando Aéreo Regional”.

O último parágrafo do texto de duas páginas diz: “Dado que o lançamento de cadáveres no estuário do rio da “Plata” causa, vez por outra, problemas no Uruguai, com o aparecimento de corpos mutilados nas praias, estão sendo empregados fornos crematórios de hospitais estatais para cremação de subversivos abatidos”.

Informado ontem pela Folha sobre a existência do relatório da Aeronáutica, o presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, Jair Krischke, disse que essa é a primeira vez que aparece, no Brasil ou na Argentina, um documento relatando os métodos de desaparecimento de militantes argentinos.

“No Brasil, nunca se conheceu um documento sobre isso”, disse Krischke. “Na Argentina, o que existiram foram depoimentos de pessoas que participaram da repressão. Não vieram a público documentos dos órgãos de informação falando a respeito dos desaparecimentos.”

Krischke lembrou um livro de um ex-integrante do aparato repressivo argentino contando que corpos de oposicionistas eram jogados no mar. “Mas não havia documentos.”

O informe da Aeronáutica dá mais pistas sobre o fenômeno do sumiço de corpos na Argentina: “A imprensa noticia que, entre 1º de janeiro e 31 de maio (de 1977), foram abatidos 325 subversivos, número este que está muito aquém da realidade, pois, somente em confrontos, entre 24 e 29 de maio, mais de cem subversivos foram mortos, tendo sido noticiados apenas 32″.

O que o relatório indica é o seguinte: em cinco dias, no máximo uma em cada três mortes se tornou pública.

Os outros dois terços podem não ter tido as mortes registradas, com o consequente desvio dos corpos.

Há vários indícios de que a fonte dos detalhes apresentados pelo 3º Comar foram órgãos repressivos argentinos. No começo, o texto registra que “esta agência tomou conhecimento e difunde o seguinte informe”.

Portunhol 

O rio da Prata é chamado de “Plata”, em espanhol. O líder da Juventude Universitária Peronista José Pablo Ventura, “abatido”, não é descrito como líder ou cabeça da organização, mas como “cabecilha”, do castelhano “cabecilla”.

Outra militante assassinada (“abatida”, para os militares brasileiros) foi Norma Inês Cerrota, “responsável sindical” da Coluna Sul do maior grupo de guerrilha argentino, os Montoneros.

“Responsável sindical”, tradução literal de nomenclatura empregada pela esquerda em francês e espanhol, significa “líder sindical” no Brasil.

Com entusiasmo, a Aeronáutica afirma que “os grandes êxitos que vêm alcançando as Forças Armadas e de segurança são derivados, em parte, do grande número de subversivos (cerca de 200 no último mês) que desertaram e se apresentaram àquelas forças, que deles obtêm informações sobre os movimentos dos subversivos, em troca de garantia de suas vidas”, conforme o documento.

A Argentina foi o país do Cone Sul com maior número de desaparecimentos políticos nas ditaduras militares.

A Comissão Nacional de Desaparecidos comprovou 8.961 casos, de acordo com Jair Krischke.

A organização Mães da Praça de Maio e outras entidades de defesa dos direitos humanos estimam o número em 30 mil.

A colaboração entre o regime militar do Brasil (1964-85) e o da Argentina foi intensa.

No sábado, a Folha publicou uma lista de 149 argentinos procurados em território brasileiro, em 1976, a pedido do governo daquele país.

Em 1975, foi criada a Operação Condor, uma ação conjunta de combate a militantes de esquerda que reuniu os governos militares de Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia.

Antes da Condor já havia colaboração intensa entre as Forças Armadas da América do Sul.

Fonte: http://blogdomariomagalhaes.blogosfera.uol.com.br/2013/05/17/governo-videla-queimava-corpos-de-opositores-em-fornos-de-hospitais-mostra-documento-secreto-no-brasil/
Mário Magalhães é jornalista, nasceu no Rio em 1964. Formou-se em jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. Recebeu mais de 20 prêmios. É autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”. 

Murió Jorge Rafael Videla, EL MAYOR GENOCIDA DE LA ARGENTINA

Fotos: divulgação

Encabezó la junta militar que se alzó con el poder luego del golpe de Estado del 24 de marzo de 1976, y abrió la etapa más negra de la historia Argentina. Puso en marcha un plan sistemático genocida con secuestros, saqueos y desaparición de personas, y una política económica neoliberal que fue el puntapié de inicio de uno de los procesos de vaciamiento y entrega del país a los capitales financieros más duros para la sociedad argentina. Fue condenado por delitos de lesa humanidad y murió esta mañana a los 87 años, purgando una parte de sus crímenes -de los que nunca se arrepintió- en el penal de Marcos Paz. La lucha de los organismos de derechos humanos que reclaman memoria, verdad y justicia por los 30 mil desaparecidos y los nietos que aún no fueron recuperados, sigue de pie.
La noticia fue confirmada por el director del Servicio Penitenciario Federal, Víctor Hortel, quien confirmo que Jorge Rafael Videla falleció por la mañana "de muerte natural" en el módulo 4 del Complejo Penitenciario Federal 2, de la ciudad de Marcos Paz, donde se encontraba cumpliendo condena a prisión perpetua por la comisión de delitos de lesa humanidad.
El parte médico indicó que "se lo encontró en su celda sin pulso ni reacción pupilar, por lo que se le realiza un ECG (electrocardiograma) constatándose su óbito, siendo las 08.25 hs del día de la fecha". Tras constatarse la muerte, "de conformidad con los trámites de rigor, se cursó comunicación del deceso al Juzgado Federal N 3, Secretaría N 10, de Morón".
El juez federal 3 de Morón, Juan Pablo Salas, dispuso que esta tarde se practique la autopsia al represor en la Morgue Judicial del Cuerpo Médico Forense de la Capital Federal, ubicada en Viamonte y Junín. La causa recayó en Salas porque es el que tiene jurisdicción federal en la cárcel donde estaba detenido Videla.
El dictador nació el 2 de agosto de 1925 en la ciudad bonaerense de Mercedes. Fue Jefe del Ejército Argentino desde 1975 y designado presidente del autodenominado Proceso de Reorganización Nacional que derrocó al gobierno de María Estela Martínez de Perón. Ocupó la presidencia hasta 1981.
Tras la recuperación de la democracia en 1983 fue juzgado y condenado a prisión perpetua y destitución del grado militar por numerosos crímenes de lesa humanidad cometidos durante su gobierno. Pero fue indultado por el entonces presidente Carlos Menem el 28 de diciembre de 1990 y estuvo libre hasta 1998. En ese año, el entonces juez federal de San Isidro Roberto Marquevich lo detuvo en una causa por sustracción de menores, el único delito que quedaba fuera de la órbita del indulto. En esa causa fue procesado.
El 24 de marzo de 2004 el entonces presidente Néstor Kirchner ordenó que los cuadros de los dictadores Jorge Rafael Videla y Reynaldo Bignone, que estaban colgados en una de las galerías del Colegio Militar de El Palomar, fueran retirados de allí. Kirchner destacó que ese acto marcaba "definitivamente un claro posicionamiento" del país, de las Fuerzas Armadas, del Ejército y de él mismo, en su carácter de presidente y de Comandante en Jefe de las Fuerzas Armadas, "de terminar con esa etapa lamentable" y de que esté "consolidado el sistema de vida democrático y desterrado el terrorismo de Estado".
Videla gozó por un breve lapso de arresto domiciliario en su casa sobre avenida Cabildo, en el barrio porteño de Colegiales, pero luego fue denunciado por violar las condiciones de ese beneficio al salir a saludar por la ventana de su departamento y se lo envió a prisión.
El 5 de julio de 2012 fue condenado a 50 años de prisión por el Tribunal Oral Federal 6 al ser encontrado responsable de la puesta en marcha de un plan sistemático de sustracción de menores a secuestradas en centros clandestinos de detención y puntualmente condenado por 18 casos, entre ellos el de Guido, el nieto que la presidenta de Abuelas de Plaza de Mayo, Estela de Carlotto aún sigue buscando.
Actualmente, Videla enfrentaba un juicio oral por el denominado "Plan Cóndor", la coordinación de la represión ilegal entre dictaduras Latinoamericanas, tras haber sido condenado a reclusión perpetua por el asesinato de presos políticos en Córdoba y a 50 años de cárcel por el robo de bebés. Además, cumplía la pena de reclusión perpetua impuesta en la llamada causa 13, que juzgó a la cúpula de la última dictadura cívico militar en 1985.
La última visita a los tribunales federales de Retiro fue el martes pasado, cuando se lo trasladó desde la cárcel bonaerense de Marcos Paz para prestar declaración indagatoria ante el Tribunal Oral Federal 1 por el Plan Cóndor, donde era juzgado junto a otros 24 acusados.
Allí se negó a declarar, pero leyó un breve manifiesto en el que asumió "en plenitud" las "responsabilidades castrenses" por lo hecho en lo que llamó una "guerra" contra el "terrorismo" y deslindó de culpas a sus subordinados. "Los acompaño como preso político, hasta tanto recupere el último de ellos su ansiada libertad", dijo sobre sus consortes de causa, ante los jueces Adrián Grunberg, Oscar Amirante y Pablo Laufer.
17/05/2013

15 maio 2013

Frederico Füllgraf - Тула (Tulá)


Crônica
Na madrugada do Ano Novo 1945-46, um pequeno grupo de prisioneiros de guerra do Campo 323, localizado duzentos quilômetros a sudeste de Moscou, escapou. Eram alemães, um deles, jovem oficial da SS, com vinte e quatro anos de idade, que sobrevivera as invasões da Holanda, França, depois da Romênia, Iugoslávia, e finalmente da Ucrânia. Como integrante da LSSAH, a famigerada “Leibstandarte [Guarda Pessoal] Adolf Hitler”, tinha enfrentado o exército soviético em Kursk e Charkiv, de onde foi desmobilizado e, numa operação blitz, levado às pressas para a Normandia, para defender o litoral francês contra o desembarque dos Aliados.

Quando eu era criança, o conheci em carne e osso: era um homem bem apessoado, de cabelos pretos, 1,80 de altura, porte atlético, e cujo espírito reservado não escondia certa jovialidade. Nas frestas das conversas dos adultos, ouvidas por nós, crianças, infiltrara-se a informação que fora preso nos últimos dias da guerra, depois da queda da “fortaleza de Breslau”, abduzido à União Soviética e internado num campo de trabalhos forçados, de onde tinha conseguido fugir. Só quarenta anos depois consegui juntar o quebra-cabeças daquela fuga, quero dizer: quando li, estarrecido, seu depoimento perante um tribunal alemão de des-nazificação, no qual o nome "Tula" estava associado ao Campo 323 e me mirava como uma esfinge desafiadora. E - santo deus! - foi quando voltou a faiscar diante de meus olhos, aquela estrela vermelha, que Albert George costumava esconder numa caixa de charutos vazia, e que tanto me enfeitiçava quando eu tinha apenas cinco anos de idade.


Albert George é o nome do protagonista do romance, “O caminho de Tula”, que estou escrevendo a soldo de uma editora brasileira. Sua narrativa tenta desvendar a motivação de um jovem escoteiro da República de Weimar que adere à Juventude Hitlerista, de onde egressa como voluntário da SS, participa das mais sangrentas batalhas da 2ª. Guerra Mundial, é absolvido pela Justiça do pós-guerra, depois obrigado a atuar como informante do serviço de inteligência militar americano na Alemanha (sim, ele conhecia cada árvore de sua trilha de três mil quilômetros percorridos a pé em dez meses) e que, finalmente, decide emigrar para o Brasil, onde começa vida nova, estabelecendo família.

Minha relação com a cidade recôndita começou no início de 2010, quando recebi os autos da sentença judicial de 1948, nos quais A. George fala de sua prisão em Tula, e comecei a investigar as circunstâncias de sua fuga: como fora possível escapar de um campo soviético tão bem guardado? Algum russo os ajudara, ou os alemães mataram seus guardas? Comecei a preparar uma viagem de pesquisas em Tula, mas minha amiga, Terezka, de São Petersburgo, me advertiu, o que o pesquisador russo, Adam, confirmaria um ano mais tarde: "sobre as atrocidades nazistas você terá sempre os arquivos russos abertos, mas sobre a fuga de alemães não vão lhe contar nada – setenta anos depois continua tabu!".

Quando descobri as imagens deste exuberante fotógrafo russo, Viktor Professor, das ruínas de uma imponente igreja, nos arredores de Tula, me perguntei, onde aqueles fugitivos alemães do Campo 323 se teriam escondido nos primeiros dias em território inimigo, e imaginei que estas ruínas poderiam ter-lhes servido de abrigo.

Esta é a encruzilhada frequente na Literatura, que desafia a criatividade do autor. Decidi então pesquisar à distância e, para minha surpresa, descobri registros fantásticos sobre Tula. Sua etimologia, antes de mais nada, é de origem báltica, como desvendou o Prof. E. M. Pospelov em sua nomenclatura toponímica, “Geograficheskie nazvaniya mira”, e significa “lugar escondido, inacessível´”... - metáfora que vestiu como uma luva minhas próprias dificuldades diante do mutismo das fontes de informação procuradas.

Na moderna historiografia russa, Tula é venerada como “cidade heróica”, porque não resta dúvida: não fosse a tenaz resistência das milícias da fábrica de armas, Nagant, e das tropas soviéticas retiradas da longínqua Vladivostock, e os alemães teriam alcançado Moscou pelo Sul.

E nesta dobra das páginas, a narrativa do romance vincula outras duas fugas de Tula à escapada dos soldados alemães do Campo 323: a retirada, no final de 1941, do general alemão, Guderian, que havia tomado Tula, e a escapada do seu mais ilustre morador, Lev Nikoláievich Tolstói, trinta anos antes – Guderian fugindo da contra-ofensiva russa e, numa irônica inversão de papéis, Tolstói fugindo de uma alemã; Sonja Andreievna Bers, sua esposa.

A única vítima fatal destas três fugas foi Tolstói, cujo coração extenuado parou de bater quando ele alcançava a pequena estação ferroviária de Astapovo, no dia 20 de novembro de 1910.

Há duas frases de Tolstói que merecem estar penduradas na porta de toda casa: a primeira diz, “Enquanto houver matadouros, haverá campos de guerra”, e a segunda, “A felicidade é estar com a natureza, contemplar a natureza e conversar com ela”. Há quem queira deduzir que na primeira frase Tolstói inverteu a ordem dos fatores, mas é dedução equivocada, porque com ela o escritor vegetariano se opunha ao sacrifício dos animais. Com a segunda, Tolstói definitivamente alcançara o requinte da sabedoria.

Quando o romance estiver nas livrarias, quem sabe farei minha peregrinação a Tula. Então visitarei Yasnaya Polyana, a chácara de Tolstói tomada por Guderian e transformada em quartel-general de seus blindados, a quem Molotov acusara de vandalismo, mas ao que parece, foi uma mentira a serviço da propaganda de guerra. Difícil imaginar que o patrimônio de Tolstói fora pilhado pelos alemães, porque naqueles dias, antes da chegada de Guderian, o então jornalista do Exército Vermelho, Vasily Grosman, testemunhou a embalagem e a transferência de todos os pertences em Yasnaya para outro destino, considerado mais seguro. Depois, ao que tudo indica, Guderian também manteve intacta a propriedade de Tolstói, no coração de uma União Soviética de resto devastada pela Blitzkrieg nazista. É que a História não se escreve por linhas retas, muito menos do discurso ideológico linear, e é nas frestas das contradições que o escritor nutre suas estórias.

Então me deixarei passear por um sítio sagrado, flanando pelas trilhas escoltadas por bétulas, de Lev Nikoláievich.

Mas também vou a Tula por um outro motivo: há um livro enterrado em algum recanto deste lugar arcano. São os originais de “Babi Yar”, o massacre nazista dos 33 mil judeus de Kiev, que Anatoly Kusnetzov escondeu depois de fotografá-los, para então fugir da Rússia. 

Esta foi a quarta fuga de Tula.

Fotos: Viktor Professor; divulgação

Manoel de Andrade - Os filmes de Frederico Füllgraf


Resenha



Acabo de assistir, pela segunda vez, o filme Fogo sobre Cristal, um Diário Antártico, do escritor e cineasta paranaense Frederico Füllgraf. O filme retrata as paisagens geladas da Passagem de Drake, nas Ilhas Orçadas do Sul, Shettland do Sul  e do Mar de Weddel, no setor leste da Península Antártida.

Essa invejável aventura, filmada em fins de 1998, nasceu de um inesperado convite ao cineasta para embarcar num navio quebra-gelo da marinha argentina numa expedição de entregas de suprimentos e revezamento de técnicos e cientistas em base de estudos na Antártida.

A bordo do navio “Almirante Irizar”, Frederico Füllgraf chega até o fim do mundo para filmar as fascinantes paisagens brancas e silenciosas do sul do planeta.  Rodado sem um roteiro previamente planejado, as cenas resultaram num documentário de uma hora que encanta quer pela beleza imóvel das paisagens, quer pelo inquietante movimento das geleiras retalhando seus imensos blocos para formar as inumeráveis frotas de icebergs em busca  do oceano.

O que pensa o homem nestas paragens solitárias, isolado por meses ou anos do torvelinho incessante da civilização urbana? Dias imensos, paisagens imensas, enseadas de deslumbrante beleza, comunidades numerosas de pinguins, com suas elegantes posturas quase humanas nos sugerindo a idéia dos únicos seres com que pudéssemos partilhar, solidariamente, aquela assustadora solidão. É um cenário que induz o expectador, e por certo leva aos que por lá se isolam, à reflexão, à catarse e ao mistério. Como escrever um poema diante de tanta majestade, se tudo que a visão alcança é uma poesia constantemente reescrita pela própria natureza e indelevelmente impressa em cada traço de uma imensa tela? A reflexão sobre um poder oculto que comanda os elementos, que dita as leis que regem as variações climáticas que, a partir dali, invadem o continente, gerando as ventanias violentas, mudanças bruscas de temperatura, as chuvas torrenciais, enchentes e destruição. Que misterioso laboratório da natureza se esconde por traz de paisagens tão poéticas!

As imagens de filme nos transmitem tudo isso e muito mais. É uma viagem além de tudo o que nos propuséssemos imaginar. Um outro mundo, uma outra dimensão da vida, um outro planeta, poderíamos pensar. Apesar dos tantos documentários sobre o assunto, Fogo sob Cristal é a expressão visual da criatividade e do espírito aventureiro do autor, uma “Crônica da solidão de um cineasta e sua câmera no fim do mundo”. Entre tantas cenas marítimas e humanas, surgindo além da proa itinerante e nos pátios e interior das bases, um fato apenas, entre tantos que poderíamos citar: uma sequência comovente de cenas com o navio parado em alto mar, jogando coroas de flores às águas onde fora afundado o  contra-torpedeiro Gen. Belgrano, durante a Guerra das Malvinas – conflito em que o Comodoro Miqueloud, comandante de Marambio, presente a uma das bases visitadas,  lutara como aviador...

A credibilidade de Frederico Füllgraf, como cineasta, vem de uma longa trajetória de realizações cujos rastros foram deixados, em 2006, no interior paranaense e na distante Namíbia, quando dirigiu a filmagem de Maack, Profeta Pé-na-Estrada, relatando as viagens e pesquisas geológicas feitas no Paraná, na década de 40,  pelo cientista alemão Reinhard Maack,  um precursor do ambientalismo, descobridor do Pico do Paraná e autor de estudos geológicos que ligam a bacia geológica paranaense à bacia de Gondwana, na Namíbia.

Seu primeiro filme, Queremos que esta terra seja nossa, rodado em Portugal, em 1975, aborda a “Revolução dos Cravos”, golpe militar pacífico que derrubou o governo herdeiro da ditadura de Salazar.

Em 1985, pelo seu filme Dose Diária Aceitável,  sobre as consequências  dos agrotóxicos no Brasil, recebe no RIEENA - Festival Internacional  do filme ambiental, na França, o prêmio de “Melhor Documentário de Conscientização”, considerado o primeiro prêmio internacional do cinema paranaense.

No seu invejável currículo acadêmico, Füllgraf, na década de 80 estudou Comunicação Social, Filosofia e Ciências Políticas na Universidade Livre da Alemanha, época em que realizou reportagens e filmagens de documentários para a ARD (rede pública de Televisão da Alemanha).  Em 1988, a Editora Brasiliense publicou seu livro (já esgotado)  A Bomba Pacífica – O Brasil e outros Cenários da Corrida Nuclear.

Frederico Füllgraf é um respeitável intelectual que deverá publicar proximamente O Caminho de Tula, seu primeiro romance a ser lançado pela Record.  Essa casa editorial  deverá entregar nos próximos meses o polêmico romance "Sós, em Berlim", de Hans Fallada. A obra, com 700 páginas escritas em 24 dias, no ano de 1946, e publicada no ano seguinte na Alemanha Oriental, foi traduzida do original  alemão por Füllgraf e estréia no Brasil depois de publicada na Inglaterra e nos EE.UU., onde aparece entre os títulos mais vendidos, no topo do ranking do site Amazon. Baseada em documentos da Gestapo descobertos pelo exercito russo no fim da Segunda Guerra Mundial, relata a história real de um casal alemão executado em 1942 por distribuir cartões com frases ofensivas a Hitler e ao regime nazista.




MANOEL DE ANDRADE é um dos mais importantes poetas da atualidade no Brasil. Seu primeiro livro, “Poemas para la libertad”,  com três edições  em espanhol e ainda inédito em português, consta de vários catálogos da literatura política latinoamericana, na Internet. Em 2000, a Epsilon Editores, do México, publicou a importante coletânea Poesia Latino americana – Antologia Bilíngüe” em espanhol e inglês, numa primorosa edição, cuja capa e interiores são ilustrados com fragmentos da obra “La destrucción del viejo orden”  do grande pintor mexicano José Clemente Orozco.  Suas páginas são compartilhadas pela poesia de 36 celebrados poetas hispano-americanos, entre eles uruguaio Mario Benedetti e a poetisa equatoriana Sara Vanégas Coveña e por apenas um brasileiro, o poeta catarinense Manoel de Andrade. Atualmente, escreve suas memórias, O Bardo Errante, sobre suas peregrinações pela América Latina dos “anos de chumbo”. Manoel é ensaísta e colunista das revistas eletrônicas e blogs, Digestivo Cultural Füllgrafianas, Banco da Poesia, Livres Pensantes, Palavras, entre outros.