12 fevereiro 2017

Frederico Füllgraf - Ventanas


Fotos: F. Füllgraf

Mini-contos montevideanos

Quando vi pela primeira vez aquele terraço emoldurado, imaginei que o quarto dela estivesse escondido atrás da veneziana da direita, com suas asas ligeiramente encostadas; apenas o suficiente para iluminar sempre os traços do rosto dele no escuro das cobertas.

Às vezes ouve-se algumas notas tocadas ao piano, provavelmente oculto atrás da veneziana do meio. Quando as notas resvalam pelo gradeado do terraço e caem na calçada, elas se transformam em outra nota - um si, um fá, um ré menor, por exemplo. 

Quando as pessoas as ajuntam do chão, elas voltam a vibrar como as notas tocadas pelas mãos dela. Então as mulheres e os homens as levam para casa. Para tocá-las para suas namoradas, ou seus maridos.


Já este gradeado contava outra estória. 

Enquanto faziam amor, deixaram aberta a porta. Ela queria enxergar o céu enquanto desfrutava o êxtase. As frestas da veneziana filtraram uma nesga de sol que cindiu a coxa direita dela em zonas de claro-escuro no momento da pequena morte. 

A trepadeira no vaso, que testemunhara tudo, estrebuchou.

E ela foi regá-la.

Ciudad Vieja.


Aqui a estória é sussurrada pelas cortinas.

Quando ele e ela se casaram, sempre que fazia lua-cheia sobre o rio, eles se beijavam na sacada, repleta de begônias e amores-perfeitos. Hoje, a sacada é um depósito de entulho como seu amor. 

No canto direito, jaz o cabo de uma antena do rádio, silenciado, que às sextas lhes enchia a sala de tangos, que eles bailavam, ida e volta, sempre até a varanda.

Agora, junto à porta escancarada para o nada, tudo são paredes descoradas, cortinas encardidas de pó e sonhos murchos.

"Vai se vivendo".


Aquela janela ali poderia ser de "Ulisses". 

Desde que a mulher partiu, ele não sai da cama, colocada no centro geográfico da mansarda, cujas janelas não abrem, e cujas cortinas continuam atadas em tranças. Do jeito que ela deixou. 

Em certos dias, o frio e a luz macilenta que se infiltram pelas frestas, lhe fazem lembrar Dublin. 

No inverno, as noites do Prata são compridas. Mas quem sabe Molly se arrependa...


Esta sacada poderia ser Madrid. Quem sabe, Barcelona.
Também podia ser Gênova.

Buenos Aires? Podia ser.


Palermo é que não poderia ser: quando o último capo tomou o navio para a América, todas as mulheres foram para a capela, rezar.
Aqui, no dia da chegada, essas lembranças, todas, se misturaram ao Prata.

Uma vez por dia, há vinte e três anos, a mulher espreita da varanda, por cima dos telhados contíguos.

Quem sabe hoje conseguiria denotar no rio a silhueta do barco desaparecido, aproximando-se do porto! Do qual baixaria então seu homem, que foi ao mar e nunca mais lhe escreveu.

Ela tem esperanças. Ainda não se deixa chamar viúva, mas a pensão intocada se avoluma na conta do banco.


Nesta, daqui debaixo, me senti em casa. Poderia ter sido assim: Ela me convidou para avizinhar nossos sentimentos debaixo de um só teto - minha escrivaninha encaixada na nave desta sala, iluminada pelos três lados, para que em nenhuma hora do dia o escuro caia sobre as palavras.