12 dezembro 2014

Frederico Füllgraf - Greenpeace invade Patrimônio da Humanidade em Nazca

Fotos: divulgação



Aproveitando-se da realização da COP 20 - Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, reunida em Lima até o dia 12 de dezembro - a ONG ambientalista Greenpeace invade área das Linhas de Nazca, protegida pela UNESCO, para instalar mensagem de protesto e alavancar manchetes na imprensa internacional. Indignado, o ministério da cultura do Peru expediu nota à imprensa, manifestando seu repúdio ao incidente, que agrava os danos já causados às milenares inscrições do deserto peruano. O incidente alinha-se a verdadeiras chicanas políticas, como o apoio da Greenpeace à privatizadora Lei de Pesca do governo Sebastián Piñera, que mereceu o repúdio de 80 mil pescadores artesanais chilenos e cada vez mais desacredita a ONG em toda a América Latina. O que chama atenção no episódio, é a lampeira determinação da ONG em afrontar o Direito Internacional e violar a soberania nacional, como foi a penetração em águas territorias da Rússia, em setembro de 2013, a ridícula fundação da “República dos Glaciares”, no Chile e, agora, a invasão do Patrimônio Cultural da Humanidade, no Peru. Glamurizada pela imprensa dos países ocidentais, na Rússia a ONG sofreu a apreensão de sua embarcação e a prisão temporária de seus ocupantes. Alpinista social, meses depois, a brasileira Ana Paula Maciel, uma de suas ativistas, posou nua para a revista Playboy.


A COP 20 em Lima

Em Lima acontece a COP-20, mais uma conferência na esteira do Protocolo de Kioto – esboçado em 1997 e ratificado apenas em 2005 – com o objetivo declarado de reduzir a emissão de poluentes atmosféricos e, com isso, mitigar o efeito-estufa em escala global, de origem indiscutivelmente antropogênica.

Desde sua implementação, nenhuma de suas metas foi cumprida, cuja principal era a redução das emissões globais em 5,2%, entre 2008 e 2012; o tão decantado “primeiro período de compromisso”.

Os Estados Unidos, a China e a Europa são os maiores emissores de gases-estufa, seguidos de perto pelo Brasil, no triste 6º lugar do ranking sujo.

Em outubro, a União Europeia alardeou que diminuirá em 40% suas emissões até 2030 Em novembro, os Estados Unidos anunciaram sua intenção de reduzir suas emissões entre 26% e 28% até 2025. A China não divulgou números, mas compromete-se a zerar seus gases-estufa até 2030.

Custo das alterações climáticas e seus “danos colaterais”

Para sinalizar boa vontade, 32 países ricos destinaram 9,0 bilhões de dólares para o Fundo Verde do Clima.

Estão falando sério? Não, literalmente estão brincando com fogo.

Em 2005, a ONU estimou entre 40,0 e 170,0 bilhões de dólares o custo anual do plano de estabilização do aumento da temperatura global na casa dos 2º C, até 2030. Em 2009, o Instituto Internacional para o Meio-Ambiente e o Desenvolvimento, de Londres,. mandou para a estratosfera a estimativa original, alardeando seu aumento em 500,0 bilhões de dólares, isto é, 0,7% do faturamento econômico global anual.

Mas estes são apenas os chamados “custos de adaptação às alterações climáticas”, que o Banco Mundial estima entre 18,0 e 21,0 bilhões de dólares anuais, de 2010 a 2050, apenas na América Latina.

O custo dos “danos colaterais” já em curso – tufões, inundações, obras de reconstrução e seu oposto: estiagens, redução dos recursos hídricos, desertificação, migração agrícola – nem estão sendo devidamente computados ainda, mas estima-se que rondem 1,0 trilhão de dólares em escala global.

Trocado em miúdos: até agora, a conta “fechava”, pois os principais perdedores – de vidas humanas, meio-ambiente e dinheiro – eram os países do Sul, e os grandes ganhadores, os países centrais do Norte, que aumentaram suas emissões durante a fase de expansão econômica (1997-2008), “porque não se mexe em time que está ganhando”.

Desde então, na ONU foi desatada a briga pela responsabilização das emissões, entre op Norte e o Sul. Os otimistas especulam que, desta vez, as negociações podem avançar favoravelmente aos países do Sul – terão motivos?

A posição do Brasil

Na COP 20, o governo brasileiro defende que se mantenha o princípio das “responsabilidades compartidas”, porém de modo diferenciado, alertando que os países desenvolvidos têm maior responsabilidade e devem assumir a maior cota nos cortes de emissões. Em paralelo, a diplomacia brasileira conseguiu submeter à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) uma proposta, conhecida como “moeda do clima”, cujo objetivo é a precificação de ações antecipadas, obtendo créditos por todas as ações que o país pretende realizar antes de 2020, para a redução dos gases-estufa. Difícil imaginar que essa contabilidade, na qual se imbricam interesses do Itamaray com ações do Ministério do Meio Ambiente, seja efetivamente aprovada e compartilhada pelos movimentos sociais, que realizam em Lima sua “Cúpula dos Povos” à margem da conferência oficial, sob permanente pressão.

Greenpeace invade Patrimônio da Humanidade

Transitando entre as duas conferências, na madrugada da última terça-feira, 9, ativistas do Greenpeace infiltraram-se na Área Protegida das milenares e mundialmente admiradas Linhas de Nazca, para instalar faixas de advertência às alteraçõeds climáticas.

Quando ao conteúdo, nihil obstat, diria um rábula. Mas ao lado do famoso “Colibri”?

O ministério da Cultura do Peru esclareceu que na área “está terminantemente proibida qualquer intervenção humana, dada a fragilidade do contorno das figuras”, e condenou o incidente: “Após a ação ilegal, inconsulta e premeditada do grupo ambientalista, a área foi gravemente afetada”.

Respondendo pelo Facebook, a Greenpeace alegou que “as faixas são apenas de pano estendido sobre o chão. Todo mundo foi muito cuidadoso e não se produziu nenhum dano em absoluto”.

Para acalmar as autoridades peruanas, Kumi Naidoo, porta-voz internacional da ONG, anunciou uma viagem a Lima “para desculpar-se pessoalmente pela ofensa causada, como tambén representar a organização em qualquer discussão com as autoridades peruanas.”

Contudo, o vice-ministro da Cultura do Peru, Luis Castillo, replicou que o Peru solemente repele as desculpas oferecidas”, porque a ONG não admite o dano causado ao patrimônio histórico e cultural do país.

Após a denúncia do ministério da Cultura, a procuradora Velia Begazo, da Segunda Promotoria Provincial de Nazca, abriu inquérito, inspecionando a área contigua à figura arqueológica do Colibrí, acompanhada por policiais e peritos, concluindo por “danos irreparáveis, em uma área de 1.600 metros quadrados”. Identificados, os implicados da Greenpeace, estimados em doze ativistas, poderão enfrentar processo por “delito contra o patrimônio cultural”, que prevê penas de até 8 años de reclusão.

Tentando brilhar com mais um de seus shows de pirotecnica midiática, a Greenpeace paga caro pela indesculpável estultícia de ignorar as suscetibilidades do Peru, país que ainda hoje brigas nas cortes internacionais pela devolução de grande parte de seu patrimônio cultural, saqueado por aventureiros gananciosos como Hiram Bingham, o ladrão de Machu Pichu, glamurizado nas telas como o “Indiana Jones” de Steven Spielberg.

As Linhas de Nazca

As Linhas de Nazca são antigos geóglifos em grande escala, localizados nas Pampas de Jumana, deserto de Nazca, região de Ica, sul do Peru. Traçadas por artistas da cultura Nazca (sécs I a VII d.C.), representam centenas de figuras, de deseños simples a mais complexos, simbolizando criaturas zoomorfas, fitomorfas e abstrações geométricas, todas riscadas com sulcos na superfície terrestre.

Comunidades esotéricas e ufólogos tecem conjeturas e lendas as mais extravagantes e doidivanas sobre sua origem e propósito, entre as que se conta que os desenhos teriam origem extra-terrestre, ou de que configurem código de aterrisagem para naves de ETs.
Afetadas por projetos de mineração, visitação abusiva e estradas clandestinas, em 1994, a UNESCO declarou as Linhas de Nazca Patrimônio Cultural da Humanidade.

Apesar da proteção, o governo do Peru, irresponsavelmente, liberou a área para a realização, em 2012 e 2013, da rally de Dakar, milionário empreendimento expulso do Saara, agravando a proteção do sítio.

Sua grande estudiosa e protetora foi a arqueóloga alemã, María Reiche (1903-1998), figura emblemática conhecida como a Dama de la Pampa.

Possivelmente, Reiche tenha encontrado a verdadeira dos desenhos, que interpretou como um imenso calendário. Estabelecendo relação entre os desenhos e sua posição frente às estrelas, tentou demonstrar que os habitantes de Nazca criaram o sítio astronômico – um observatório? - para calcular o início de cada estação do ano, qual era a melhor época para colheitas e quando começava a temporada das chuvas.

Havia vida inteligente e perspicaz na Cordilheira dos Andes, em cujo chão a Greenpeace se move com inusitada jumentice.